quarta-feira, 19 de outubro de 2011
quarta-feira, 22 de agosto de 2007
A EDUCAÇAO NO BASIL
Trabalho realizado pelas alunas, para a disciplina de Gestão de Empresas, do curso a distância de Ciências Socias:
Eliza Cardoso dos Santos
Maria de Lourdes Silva da Rocha
Maria Joselita da Silva Felizardo
III. CONCEITO DE EDUCAÇÃO
A LDB (art. 1º) apresenta concepção ampla de educação que abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convergência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais civis, nas manifestações culturais. O processo educacional acontece em todos os espaços sociais de diferentes formas de relacionamento humano.
Logo, a educação pode ser extra-escolar e intra-escolar devendo o escolar desenvolver ver-se por meio do ensino vinculando-se aos fatos da vida social. Assim se reconhece que há aprendizado fora da escola e que esse saber deve ser valorizado.
Portanto, a educação passa a ser sinônimo de escolarização ou de ensino que não se conclui com o termino da escolaridade dos indivíduos, mas constitui um processo permanente que se dá antes, durante e depois da educação escolar.
A educação formação integral do ser humano nos aspectos físico, intelectual e emocional, tem nas suas dimensões do ensino o processo de transmissão, construção e reconstrução do conhecimento sistematizado.
Desta forma a LDB amplia a função da escola ao institucionalizar a concepção de educação escolar que embora tenha no ensino a sua dimensão predominante, a ele não se limita. De acordo com essa concepção integra a educação escolar tanto nas aulas de Português, Matemática como atividades pedagógicas desenvolvidas no ambiente escolar relacionando com a merenda escolar, momentos de lazer vivenciados no pátio da escola.
IV. A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Apesar dos esforços empreendidos nos últimos anos, ainda não se conseguiu estruturar um sistema educacional eficiente e eficaz de qualidade. É ineficiente porque o custo de obtenção é elevado, é ineficaz porque os resultados de aprendizagem obtidos são insatisfatórios, e é de baixa qualidade por que os benefícios do sistema não são satisfatórios em suas necessidades e expectativas. Entretanto, acompanhando a tendência, nos últimos anos algumas iniciativas têm sido realizadas para reverter esse quadro. Em todas as iniciativas é constante a preocupação em conferir racionalidade ao funcionamento do sistema, em focar os esforços na aprendizagem dos alunos, em melhorar a qualidade de gestão do sistema e em estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação dos resultados.
O Governo Federal vem demonstrando grande interesse pela educação no Brasil, para comprovar o que escrevemos, sabemos que vários projetos e programas tem sido destinados à educação, como por exemplo a lei do FUNDACEF que é enviada para o Ensino Fundamental, agora substituída pelo FUNDEB que abrange também o ensino Infantil e Médio, podendo ser aplicada para pagamento de funcionários, manutenção de transporte escolar, treinamento de profissionais, etc. Bolsa escolar que é diretamente para os alunos que não vem de famílias estruturadas financeiramente, o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) como o próprio nome cita é dedicado às crianças que trabalham para ajudar na renda familiar. No PETI eles são acompanhados pór tutores que desenvolvem habilidades artísticas como por exemplo teatro, danças, quadrilhas, futebol, musica, recreação, literatura infantil, reforço, entre outros. Esses projetos contribuem para permanência das crianças e adolescentes de famílias pobres nas escolas por meio desses programas, a União concede apoio financeiro aos municípios, 50% são responsabilidade do Governo Federal recebidos por meio de convenio firmados pela prefeitura com o Fundo Nacional de Educação (FNDE) e outros 50% ou mais correspondem a participação do município, que pode ser cumprida em ações educativas, o PDE, é uma ferramenta gerencial utilizada com o propósito de auxiliar a escola a realizar melhor o seu trabalho, focalizar sua energia, assegurar que sua equipe esteja trabalhando para atingir os mesmos objetivos, avaliar e adequar sua direção em resposta a um ambiente em constantes mudanças. O PDE constitui um esforço disciplinado da escola para produzir decisões e ações fundamentais que moldam e guiam o que ela faz e por que assim o faz, com um foco no futuro. Entretanto, apesar do foco estar no futuro, as decisões devem ser tomadas no presente. O PDE não lida apenas com decisões futuras que são tomadas cotidianamente na escola. Não é uma tentativa de eliminar todos os riscos, mas de abordá-los e administra-los de maneira eficiente e eficaz.
V. O PAPEL DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
A tecnologia da informação (TI) tem ocupado cada vez mais lugares nas organizações sociais e na vida das pessoas, sejam por meio de fontes de trabalhos, educação ou entretenimento. Se por outro lado, fica quase impossível perceber o mundo atual sem a presença da TI, por isso precisamos trabalhar de forma mais clara e objetiva, cisto que é um dos principais fatores do sucesso atual.
Fatores competitivos ou inovações dentro de um setor exigem freqüentemente que as escolas introduzam novos equipamentos, ferramentas, e métodos operacionais. Muitas indústrias, como de alumínio, por exemplo, modernizam-se significativamente suas instalações nos últimos anos, para competir com mais eficácia. Foram instalados equipamentos mais eficientes de controle, formas e prensas para reduzir o custo de fabricação por tonelada de alumínio.
A penetração das tecnologias de informação e da comunicação está transformando muitos aspectos na vida cotidiana. Isto constitui uma das principais marcas do período histórico. Ao longo de toda a evolução da espécie humana, nunca houve mutações tão profundas e rápidas.
VI. SOLUÇÕES
Refletindo sobre a educação no Brasil, chegamos à conclusão da seriedade do caso. A nossa volta nos deparamos com a fome, o desemprego, a falta de habitação, baixíssima renda e alta criminalidade, situações essas que influenciam de forma direta e negativa no desenvolvimento da sociedade.
O que dizer então das nossas escolas inseridas nesse contexto social e que enfrentam, problemas como alto índice de repetência e evasão, a violência em seus domínios, falta de material didático, má distribuição das verbas destinadas à educação, desvalorização do professor, entre outros.
Os últimos anos têm se caracterizado por mudanças profundas no campo econômico e político. Estas mudanças afetam significativamente as instituições educacionais no que diz respeito à formação adequada dos alunos, aos métodos de ensino, ao uso de tecnologias na tarefa de educar, à capacitação dos professores no compromisso com o ensino aprendizagem, porém se as autoridades federais, estaduais e municipais refletirem e levarem em consideração a educação de nossas crianças, cobrando dos diretores de escolas, convocando as melhores competências para que sejam lideres eleitos democraticamente, sejam capazes de estabelecerem metas Para obtenção de resultados, capaz de mobilizar toda a comunidades escolar, criar boas relações interpessoais, fazer reuniões periódicas com os pais, reavaliar a prática do professor na sala de aula. Pensando nessas possibilidades, o gestor escolar juntamente com sua equipe pode e deve desenvolver projetos como, por exemplo, o Projeto de Político Pedagógico que vem sendo discutido e poderá assumir como um eixo central, o combate ao fracasso escolar, também como forma de aglutinar as forças de todos: diretores, docentes, especialistas, servidores, bem como a comunidade.
O Projeto Político Pedagógico deve ser construído com a participação de todos da escola e a comunidade, alunos cada um dando suas opiniões e sugestões refletidas sobre em que à escola necessita melhorar. Nossos professores devem ser empreendedores, lideres, capazes de engajar-se em projetos coletivos e ser referencia na comunidade, no grupo, capaz de sensibilizar e envolver as pessoas, concursados, motivadores e motivados, deve ter um piso salarial para que tenha dedicação exclusiva à escola, saber planejar suas aulas e organizar seu material de trabalho, trocar experiências com outros professores, sobre criar maneiras eficazes para alcançar os objetivos, ir em busca de parcerias: trabalhar, respeitar e valorizar a cultura dos alunos, interação com os pais incentivando-os para que a família possa desperta o interesse e a comunidade das crianças e incentivar a sua aprendizagem. Não é preciso que os pais se transformem em professores, basta que acompanhe a vida escolar, valorizando suas tarefas, estimulando a gostarem de aprender e serem curiosos também na vida fora da escola. Quando a família participa da educação das crianças, elas podem sair-se muito melhor na escola e na vida, desde que nascemos estamos sempre aprendendo. A cada dia sentimos a necessidade de respeitar e sermos respeitados para que isso aconteça, devemos preparar nossas crianças para serem sujeitos plenos e conscientes de si, sujeitos do conhecimento, ativos, apesar das diversidades, capazes de competir e se confrontar tanto no mundo do trabalho, quando na família, no bairro, na sociedade, ter cultura cientifica, saber trabalhar em equipe, ter domínio das tecnologias modernas, capacidades especificas para inovações, visões adaptadas às condições locais.
Diante deste contexto, um referencial significativo de perfil para os alunos são os quatros pilares: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão, aprender a fazer para poder agir sobre o meio envolvente, aprender a viver juntos, a fim de participar com os outros em atividades humanas e finalmente aprender a ser, via essencial que integra todos os três precedentes.
VII. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
· Como elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola
Ministério da Educação
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Diretoria de Programas Especiais
Fundo de Fortalecimento da Escola
Antonio Carlos da Ressurreição Xavier
Jose Amaral Sobrinho
Brasília – 2006
3ª Edição
· LDB – lei de Diretrizes e Bases de Educação, lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996.
· Estatuto da Criança e do Adolescente
· Constituição da republica Federativa do Brasil
· Mini-Aurélio, Século XXI, escolar.
Eliza Cardoso dos Santos
Maria de Lourdes Silva da Rocha
Maria Joselita da Silva Felizardo
III. CONCEITO DE EDUCAÇÃO
A LDB (art. 1º) apresenta concepção ampla de educação que abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convergência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais civis, nas manifestações culturais. O processo educacional acontece em todos os espaços sociais de diferentes formas de relacionamento humano.
Logo, a educação pode ser extra-escolar e intra-escolar devendo o escolar desenvolver ver-se por meio do ensino vinculando-se aos fatos da vida social. Assim se reconhece que há aprendizado fora da escola e que esse saber deve ser valorizado.
Portanto, a educação passa a ser sinônimo de escolarização ou de ensino que não se conclui com o termino da escolaridade dos indivíduos, mas constitui um processo permanente que se dá antes, durante e depois da educação escolar.
A educação formação integral do ser humano nos aspectos físico, intelectual e emocional, tem nas suas dimensões do ensino o processo de transmissão, construção e reconstrução do conhecimento sistematizado.
Desta forma a LDB amplia a função da escola ao institucionalizar a concepção de educação escolar que embora tenha no ensino a sua dimensão predominante, a ele não se limita. De acordo com essa concepção integra a educação escolar tanto nas aulas de Português, Matemática como atividades pedagógicas desenvolvidas no ambiente escolar relacionando com a merenda escolar, momentos de lazer vivenciados no pátio da escola.
IV. A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Apesar dos esforços empreendidos nos últimos anos, ainda não se conseguiu estruturar um sistema educacional eficiente e eficaz de qualidade. É ineficiente porque o custo de obtenção é elevado, é ineficaz porque os resultados de aprendizagem obtidos são insatisfatórios, e é de baixa qualidade por que os benefícios do sistema não são satisfatórios em suas necessidades e expectativas. Entretanto, acompanhando a tendência, nos últimos anos algumas iniciativas têm sido realizadas para reverter esse quadro. Em todas as iniciativas é constante a preocupação em conferir racionalidade ao funcionamento do sistema, em focar os esforços na aprendizagem dos alunos, em melhorar a qualidade de gestão do sistema e em estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação dos resultados.
O Governo Federal vem demonstrando grande interesse pela educação no Brasil, para comprovar o que escrevemos, sabemos que vários projetos e programas tem sido destinados à educação, como por exemplo a lei do FUNDACEF que é enviada para o Ensino Fundamental, agora substituída pelo FUNDEB que abrange também o ensino Infantil e Médio, podendo ser aplicada para pagamento de funcionários, manutenção de transporte escolar, treinamento de profissionais, etc. Bolsa escolar que é diretamente para os alunos que não vem de famílias estruturadas financeiramente, o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) como o próprio nome cita é dedicado às crianças que trabalham para ajudar na renda familiar. No PETI eles são acompanhados pór tutores que desenvolvem habilidades artísticas como por exemplo teatro, danças, quadrilhas, futebol, musica, recreação, literatura infantil, reforço, entre outros. Esses projetos contribuem para permanência das crianças e adolescentes de famílias pobres nas escolas por meio desses programas, a União concede apoio financeiro aos municípios, 50% são responsabilidade do Governo Federal recebidos por meio de convenio firmados pela prefeitura com o Fundo Nacional de Educação (FNDE) e outros 50% ou mais correspondem a participação do município, que pode ser cumprida em ações educativas, o PDE, é uma ferramenta gerencial utilizada com o propósito de auxiliar a escola a realizar melhor o seu trabalho, focalizar sua energia, assegurar que sua equipe esteja trabalhando para atingir os mesmos objetivos, avaliar e adequar sua direção em resposta a um ambiente em constantes mudanças. O PDE constitui um esforço disciplinado da escola para produzir decisões e ações fundamentais que moldam e guiam o que ela faz e por que assim o faz, com um foco no futuro. Entretanto, apesar do foco estar no futuro, as decisões devem ser tomadas no presente. O PDE não lida apenas com decisões futuras que são tomadas cotidianamente na escola. Não é uma tentativa de eliminar todos os riscos, mas de abordá-los e administra-los de maneira eficiente e eficaz.
V. O PAPEL DA TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
A tecnologia da informação (TI) tem ocupado cada vez mais lugares nas organizações sociais e na vida das pessoas, sejam por meio de fontes de trabalhos, educação ou entretenimento. Se por outro lado, fica quase impossível perceber o mundo atual sem a presença da TI, por isso precisamos trabalhar de forma mais clara e objetiva, cisto que é um dos principais fatores do sucesso atual.
Fatores competitivos ou inovações dentro de um setor exigem freqüentemente que as escolas introduzam novos equipamentos, ferramentas, e métodos operacionais. Muitas indústrias, como de alumínio, por exemplo, modernizam-se significativamente suas instalações nos últimos anos, para competir com mais eficácia. Foram instalados equipamentos mais eficientes de controle, formas e prensas para reduzir o custo de fabricação por tonelada de alumínio.
A penetração das tecnologias de informação e da comunicação está transformando muitos aspectos na vida cotidiana. Isto constitui uma das principais marcas do período histórico. Ao longo de toda a evolução da espécie humana, nunca houve mutações tão profundas e rápidas.
VI. SOLUÇÕES
Refletindo sobre a educação no Brasil, chegamos à conclusão da seriedade do caso. A nossa volta nos deparamos com a fome, o desemprego, a falta de habitação, baixíssima renda e alta criminalidade, situações essas que influenciam de forma direta e negativa no desenvolvimento da sociedade.
O que dizer então das nossas escolas inseridas nesse contexto social e que enfrentam, problemas como alto índice de repetência e evasão, a violência em seus domínios, falta de material didático, má distribuição das verbas destinadas à educação, desvalorização do professor, entre outros.
Os últimos anos têm se caracterizado por mudanças profundas no campo econômico e político. Estas mudanças afetam significativamente as instituições educacionais no que diz respeito à formação adequada dos alunos, aos métodos de ensino, ao uso de tecnologias na tarefa de educar, à capacitação dos professores no compromisso com o ensino aprendizagem, porém se as autoridades federais, estaduais e municipais refletirem e levarem em consideração a educação de nossas crianças, cobrando dos diretores de escolas, convocando as melhores competências para que sejam lideres eleitos democraticamente, sejam capazes de estabelecerem metas Para obtenção de resultados, capaz de mobilizar toda a comunidades escolar, criar boas relações interpessoais, fazer reuniões periódicas com os pais, reavaliar a prática do professor na sala de aula. Pensando nessas possibilidades, o gestor escolar juntamente com sua equipe pode e deve desenvolver projetos como, por exemplo, o Projeto de Político Pedagógico que vem sendo discutido e poderá assumir como um eixo central, o combate ao fracasso escolar, também como forma de aglutinar as forças de todos: diretores, docentes, especialistas, servidores, bem como a comunidade.
O Projeto Político Pedagógico deve ser construído com a participação de todos da escola e a comunidade, alunos cada um dando suas opiniões e sugestões refletidas sobre em que à escola necessita melhorar. Nossos professores devem ser empreendedores, lideres, capazes de engajar-se em projetos coletivos e ser referencia na comunidade, no grupo, capaz de sensibilizar e envolver as pessoas, concursados, motivadores e motivados, deve ter um piso salarial para que tenha dedicação exclusiva à escola, saber planejar suas aulas e organizar seu material de trabalho, trocar experiências com outros professores, sobre criar maneiras eficazes para alcançar os objetivos, ir em busca de parcerias: trabalhar, respeitar e valorizar a cultura dos alunos, interação com os pais incentivando-os para que a família possa desperta o interesse e a comunidade das crianças e incentivar a sua aprendizagem. Não é preciso que os pais se transformem em professores, basta que acompanhe a vida escolar, valorizando suas tarefas, estimulando a gostarem de aprender e serem curiosos também na vida fora da escola. Quando a família participa da educação das crianças, elas podem sair-se muito melhor na escola e na vida, desde que nascemos estamos sempre aprendendo. A cada dia sentimos a necessidade de respeitar e sermos respeitados para que isso aconteça, devemos preparar nossas crianças para serem sujeitos plenos e conscientes de si, sujeitos do conhecimento, ativos, apesar das diversidades, capazes de competir e se confrontar tanto no mundo do trabalho, quando na família, no bairro, na sociedade, ter cultura cientifica, saber trabalhar em equipe, ter domínio das tecnologias modernas, capacidades especificas para inovações, visões adaptadas às condições locais.
Diante deste contexto, um referencial significativo de perfil para os alunos são os quatros pilares: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instrumentos da compreensão, aprender a fazer para poder agir sobre o meio envolvente, aprender a viver juntos, a fim de participar com os outros em atividades humanas e finalmente aprender a ser, via essencial que integra todos os três precedentes.
VII. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
· Como elaborar o Plano de Desenvolvimento da Escola
Ministério da Educação
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
Diretoria de Programas Especiais
Fundo de Fortalecimento da Escola
Antonio Carlos da Ressurreição Xavier
Jose Amaral Sobrinho
Brasília – 2006
3ª Edição
· LDB – lei de Diretrizes e Bases de Educação, lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996.
· Estatuto da Criança e do Adolescente
· Constituição da republica Federativa do Brasil
· Mini-Aurélio, Século XXI, escolar.
sexta-feira, 27 de julho de 2007
Breve Análise da Organização Mundial – Planeta Terra S/A
Auditando a Empresa Planeta Terra S/A
INTRODUÇÃO
A partir da temática sugerida para fazer um trabalho de Gestão Empresarial, no formato de um relatório sobre a análise de uma organização qualquer, levantando problemas e buscando soluções com base na sua gestão, principalmente de pessoas e de recursos, abordando se a mesma estaria resolvendo problemas e o que faríamos, caso fossemos gestores, resolvemos, então, ampliar nosso horizonte, pensando o planeta Terra como uma grande organização empresarial, a empresa global: Planeta Terra S/A, dando um destaque à sua Unidade de Negócio chamada Brasil, a qual estamos estreitamente ligados, por fazermos parte de seu corpo funcional.
Em nosso trabalho estaremos apresentando o relatório resumido de uma hipotética auditoria feita nesta Organização Global – Planeta Terra S/A, com um enfoque para sua Unidade de Negócios BRASIL, onde analisamos o alinhamento das ações dos gestores com a Visão e a Missão da Organização, bem como da aplicação de algumas das principais funções de Gestão.
O fato de estarmos a mais de vinte anos trabalhando em empresas que são apresentadas como modelos de gestão, Braskem e Petrobras, nos desestimula a fazer uma análise restrita a uma organização corporativa, pois neste anos temos vivenciado que muitas das funções de Gestão só existem “para inglês ver”, isto é, na prática a teoria perde o sentido, se pode comprometer as metas estabelecidas pelos acionistas, principalmente quando os assuntos são pessoas e recursos. O que importa é reduzir custos para maximizar o lucro, este sim, o verdadeiro objetivo e meta de uma empresa capitalista, ontem, hoje e sempre.
Na condição de Sociólogos, que seremos em breve, creio que não podemos restringir nossa visão à lógica imposta pelo capital, nem nos conformarmos em sermos apenas analistas deste sistema, até identificando suas distorções, porém sem apresentarmos uma proposta alternativa onde os aspectos sociais sejam de fato prioridade de toda a humanidade e suas empresas.
Poderei até contentar-me em sendo Sociólogo, me tornar gestor de empresas, mas não neste sistema em que impera a contradição e a hipocrisia, onde as pessoas e os recursos naturais são apenas matéria-prima para reprodução de capital e para o deleite de apenas uns poucos “detentores” dos meios de produção – os capitalistas.
O RELATÓRIO
Auditando a empresa Planeta Terra S/A, que tem como Visão: “Ser o único planeta conhecido do Universo a sustentar a vida e garantir a sua perpetuidade” e que para atingir esta meta definiu como Missão: “Disponibilizar todos os recursos naturais e condições necessárias para a manutenção e desenvolvimento humano com eqüidade, justiça e liberdade, de forma fraterna, sustentável e sócio-ecologicamente correta”, verificamos uma série de desacordos das ações dos gestores com os Objetivos e Metas da Organização, evidenciadas pelas “Não Conformidades” listadas abaixo e facilmente observadas pelos quatro cantos do mundo:
1 – Desrespeito à vida humana e a todo ecossistema com o estímulo e a proliferação de guerras com motivações, na maioria delas, meramente comerciais;
2 – Comprometimento da sustentabilidade de mananciais hídricos promovido por atividades industriais altamente poluidoras;
3 – Destruição indiscriminada de florestas e vegetações nativas para desenvolvimento de atividades econômicas incompatíveis com os interesses da maioria das pessoas;
4 – Exploração de recursos naturais de forma intensa e desordenada, para benefício financeiro de uns poucos;
5 – Mal distribuição dos resultados financeiros oriundos do beneficiamento dos recursos naturais entre as suas unidades de negócio (países), promovendo gigantescas desigualdades;
6 – Destinação de vultuosos valores em projetos não essenciais (por exemplo espaciais, bélicos, etc) enquanto muitos morrem de fome ou vitimados por doenças endêmicas ao redor do planeta;
7 – Falta de capacidade para criação de postos de trabalho para absorver toda a População Economicamente Ativa, inclusive contribuindo para elevação, cada vez mais acentuada, do nível de desemprego; e
8 – Incapacidade de resolver os conflitos étnicos e religiosos e de promover a paz em todo o planeta.
No BRASIL, além de verificarmos os reflexos das “NC's” listadas acima, ainda, evidencia-se de forma mais visível as seguintes situações comprometedoras para o bom andamento do negócio:
1 – Mal exemplo das pessoas em cargos de liderança que praticam ilicitudes sem qualquer cerimônia;
2 – Corrupção em todos os níveis e setores, promovendo uma evasão gigantesca de recursos que deveriam ser aplicados em projetos sociais;
3 – Falta de transparência e lisura na condução dos negócios em detrimento do interesse da coletividade;
4 – A certeza da impunidade estimulando a desonestidade dos que detém o controle;
5 – Desajuste e desagregação da sociedade promovido pelas desigualdades sociais;
6 – Violência urbana crescente em decorrência da falta de alternativas à miséria e atração do crime organizado que encontra um ambiente muito favorável para sua proliferação;
7 – Baixíssimo nível de educação resultantes do baixo nível de investimentos, subtraídos, ainda, os desvios de recursos;
8 – Saúde pública idem à educação, apesar de vultuosos recursos serem arrecadados compulsoriamente dos cidadãos através de impostos, criados exclusivamente para este fim, como é o caso da CPMF; e
9 – Com uma extensão territorial de dimensões continentais, muitos reclamam o direito a um pedacinho de terra.
CONCLUSÕES
Em suma, após esta avaliação, concluímos que o atual Sistema de Gestão auditado precisa ser substituído por outro mais eficaz e eficiente para atingir sua Visão e cumprir sua Missão. Não se trata apenas de mudar os gestores, é preciso mudar a filosofia de gestão, colocando, de fato, o ser humano como o bem mais importante desta empresa, pois só ele é capaz de gerar riquezas, através de seu trabalho, transformando recursos naturais em bens de consumo, que devem atender as necessidades de todos os habitantes do planeta, diferentemente de como ocorre hoje, quando alguns têm muito mais do que precisariam por muitas vidas, enquanto a maioria não tem sequer o que necessitam para manter esta vida.
INTRODUÇÃO
A partir da temática sugerida para fazer um trabalho de Gestão Empresarial, no formato de um relatório sobre a análise de uma organização qualquer, levantando problemas e buscando soluções com base na sua gestão, principalmente de pessoas e de recursos, abordando se a mesma estaria resolvendo problemas e o que faríamos, caso fossemos gestores, resolvemos, então, ampliar nosso horizonte, pensando o planeta Terra como uma grande organização empresarial, a empresa global: Planeta Terra S/A, dando um destaque à sua Unidade de Negócio chamada Brasil, a qual estamos estreitamente ligados, por fazermos parte de seu corpo funcional.
Em nosso trabalho estaremos apresentando o relatório resumido de uma hipotética auditoria feita nesta Organização Global – Planeta Terra S/A, com um enfoque para sua Unidade de Negócios BRASIL, onde analisamos o alinhamento das ações dos gestores com a Visão e a Missão da Organização, bem como da aplicação de algumas das principais funções de Gestão.
O fato de estarmos a mais de vinte anos trabalhando em empresas que são apresentadas como modelos de gestão, Braskem e Petrobras, nos desestimula a fazer uma análise restrita a uma organização corporativa, pois neste anos temos vivenciado que muitas das funções de Gestão só existem “para inglês ver”, isto é, na prática a teoria perde o sentido, se pode comprometer as metas estabelecidas pelos acionistas, principalmente quando os assuntos são pessoas e recursos. O que importa é reduzir custos para maximizar o lucro, este sim, o verdadeiro objetivo e meta de uma empresa capitalista, ontem, hoje e sempre.
Na condição de Sociólogos, que seremos em breve, creio que não podemos restringir nossa visão à lógica imposta pelo capital, nem nos conformarmos em sermos apenas analistas deste sistema, até identificando suas distorções, porém sem apresentarmos uma proposta alternativa onde os aspectos sociais sejam de fato prioridade de toda a humanidade e suas empresas.
Poderei até contentar-me em sendo Sociólogo, me tornar gestor de empresas, mas não neste sistema em que impera a contradição e a hipocrisia, onde as pessoas e os recursos naturais são apenas matéria-prima para reprodução de capital e para o deleite de apenas uns poucos “detentores” dos meios de produção – os capitalistas.
O RELATÓRIO
Auditando a empresa Planeta Terra S/A, que tem como Visão: “Ser o único planeta conhecido do Universo a sustentar a vida e garantir a sua perpetuidade” e que para atingir esta meta definiu como Missão: “Disponibilizar todos os recursos naturais e condições necessárias para a manutenção e desenvolvimento humano com eqüidade, justiça e liberdade, de forma fraterna, sustentável e sócio-ecologicamente correta”, verificamos uma série de desacordos das ações dos gestores com os Objetivos e Metas da Organização, evidenciadas pelas “Não Conformidades” listadas abaixo e facilmente observadas pelos quatro cantos do mundo:
1 – Desrespeito à vida humana e a todo ecossistema com o estímulo e a proliferação de guerras com motivações, na maioria delas, meramente comerciais;
2 – Comprometimento da sustentabilidade de mananciais hídricos promovido por atividades industriais altamente poluidoras;
3 – Destruição indiscriminada de florestas e vegetações nativas para desenvolvimento de atividades econômicas incompatíveis com os interesses da maioria das pessoas;
4 – Exploração de recursos naturais de forma intensa e desordenada, para benefício financeiro de uns poucos;
5 – Mal distribuição dos resultados financeiros oriundos do beneficiamento dos recursos naturais entre as suas unidades de negócio (países), promovendo gigantescas desigualdades;
6 – Destinação de vultuosos valores em projetos não essenciais (por exemplo espaciais, bélicos, etc) enquanto muitos morrem de fome ou vitimados por doenças endêmicas ao redor do planeta;
7 – Falta de capacidade para criação de postos de trabalho para absorver toda a População Economicamente Ativa, inclusive contribuindo para elevação, cada vez mais acentuada, do nível de desemprego; e
8 – Incapacidade de resolver os conflitos étnicos e religiosos e de promover a paz em todo o planeta.
No BRASIL, além de verificarmos os reflexos das “NC's” listadas acima, ainda, evidencia-se de forma mais visível as seguintes situações comprometedoras para o bom andamento do negócio:
1 – Mal exemplo das pessoas em cargos de liderança que praticam ilicitudes sem qualquer cerimônia;
2 – Corrupção em todos os níveis e setores, promovendo uma evasão gigantesca de recursos que deveriam ser aplicados em projetos sociais;
3 – Falta de transparência e lisura na condução dos negócios em detrimento do interesse da coletividade;
4 – A certeza da impunidade estimulando a desonestidade dos que detém o controle;
5 – Desajuste e desagregação da sociedade promovido pelas desigualdades sociais;
6 – Violência urbana crescente em decorrência da falta de alternativas à miséria e atração do crime organizado que encontra um ambiente muito favorável para sua proliferação;
7 – Baixíssimo nível de educação resultantes do baixo nível de investimentos, subtraídos, ainda, os desvios de recursos;
8 – Saúde pública idem à educação, apesar de vultuosos recursos serem arrecadados compulsoriamente dos cidadãos através de impostos, criados exclusivamente para este fim, como é o caso da CPMF; e
9 – Com uma extensão territorial de dimensões continentais, muitos reclamam o direito a um pedacinho de terra.
CONCLUSÕES
Em suma, após esta avaliação, concluímos que o atual Sistema de Gestão auditado precisa ser substituído por outro mais eficaz e eficiente para atingir sua Visão e cumprir sua Missão. Não se trata apenas de mudar os gestores, é preciso mudar a filosofia de gestão, colocando, de fato, o ser humano como o bem mais importante desta empresa, pois só ele é capaz de gerar riquezas, através de seu trabalho, transformando recursos naturais em bens de consumo, que devem atender as necessidades de todos os habitantes do planeta, diferentemente de como ocorre hoje, quando alguns têm muito mais do que precisariam por muitas vidas, enquanto a maioria não tem sequer o que necessitam para manter esta vida.
RACISMO
RACISMO - por Iaênes Amorim
INTRODUÇÃO
Não dá para falar sobre a questão do negro no Brasil sem considerar o processo histórico de avanço da relação de exploração do homem pelo homem, desde os primórdios da organização social tribal até a sua forma mais aperfeiçoada no moderno (e hediondo) sistema capitalista.
Quando grupos humanos perceberam que ao invés de liquidar seus inimigos em guerras de expansão era mais lucrativo torná-los prisioneiros, condenando os derrotados ao trabalho forçado para a satisfação e deleite dos vencedores, surge a escravidão. Iniciando-se, a partir de então, um processo de dominação de um povo sobre outro, e daí nascem todas as conseqüências dessa relação antagônica e conflituosa, entre servos e senhores, que persegue e degrada a raça humana, desde séculos imemoriáveis até os nossos dias.
Foi nos séculos II e I a.C., em Roma, que a escravidão atingiu seu ponto máximo: é o período em que se faz maior o poderio dos latifundiários romanos. Com a derrocada do império romano e o advento da organização feudal, há também um descenso do escravagismo, com a conversão dos escravos em servos das glebas, resultado de um processo de aperfeiçoamento da exploração agrícola.
O período em que a escravidão volta a se intensificar, no final da Idade Média, coincide exatamente com a fase em que a acumulação primitiva de capital por parte da nobreza feudal exige o expansionismo geográfico dos reinados e, com isso, a descoberta de novos territórios no além-mar, que, ao invés de reconhecidos como novas nações do planeta, passarão a ser possessões da “civilização européia”. O tráfico de escravos atingirá, por essa época, proporções extraordinárias, iniciando-se um capítulo da história da instituição em que se destacarão os Estados ibéricos, a partir da explorações portuguesas do litoral africano. Em 1444, os portugueses começaram a adquirir diretamente escravos negros no Sudão. No século XVI, Lisboa e Sevilha atingem o máximo desenvolvimento como mercados de escravos.
No continente americano, os colonos exploram os indígenas como mão-de-obra servil, mas o índios se mostram indóceis e indomesticáveis, obrigando os dominadores europeus a trazerem os negros africanos para o serviço pesado nas novas terras a serem desbravadas.
O “civilizado” homem branco europeu barbarizou as novas terras por ele “descobertas”, vilipendiando seus recursos naturais e subjugando a população nativa, tudo em nome de um progresso que só a uns poucos beneficiava, ao custo de muito sangue, suor e lágrimas de seres humanos que, até então, viviam em perfeita harmonia com a natureza.
Se compararmos as histórias do período colonial de qualquer país do chamado terceiro mundo, veremos que, independentemente da matriz e dos protagonistas, o enredo é sempre o mesmo. Seja Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda, quando o assunto era a expansão do reinado, falavam a mesma língua. O método era padrão: apossavam-se de terras longínquas, tornavam cativo o seu povo, colonizavam e usurpavam todas as suas riquezas. Era a pirataria e a pilhagem oficial e institucionalizada.
Para legitimarem as agruras cometidas contra seus semelhantes e, até, absolverem-se de culpa, era preciso justificarem seus atos com alguma teoria que atenuasse ou mesmo suplantasse o sentimento de culpa, e, considerando as circunstâncias da época, nada melhor para isso do que apresentar o argumento de que aqueles povos diferentes encontrados nas novas terras, denominados, pelos brancos, como índios e negros, não passavam de seres inferiores, raças selvagens e hostis à civilização, que, no máximo, poderiam servir para realizarem trabalhos braçais, mas para isso era necessário, primeiro, subjugá-los e submetê-los à nova situação, portanto a crueldade dos brancos era considerada apenas como reação necessária à selvageria e resistência destas raças a aceitarem, de bom grado, esta nova ordem, imposta pela civilização européia em franca evolução. O progresso da humanidade não poderia ser freado por pirraça de um bando de selvagens que pararam no tempo. É com esse conteúdo que a ideologia dominante de então, escraviza e condena ao embrutecimento os povos nativos das novas terras “descobertas” e colonizadas pelo “civilizado” homem branco.
Com o passar do tempo, a idéia de supremacia racial dos brancos sobre os outros, principalmente sobre negros e os índios, que, inclusive, já gozava da condescendência da Igreja, recebe importantes reforços por parte de uma incipiente comunidade científica orientada pela Teoria da Evolução das Espécies, defendida por Charles Darwin. O sistema capitalista, mesmo em sua fase infantil, sempre foi muito hábil em utilizar a religião e a ciência para afirmação e conformação de seu ideário, afinal de contas a sua ideologia já está impregnada por todos os recantos e meios, condicionando até o livre pensamento e a produção de idéias da intelectualidade em toda a história da humanidade.
Sendo a escravidão antecessora ao racismo, e esta imprescindível para o processo histórico de avanço capitalista, sistema esse que para sua perpetuação prescinde da exploração, da exclusão e da discriminação da maior parte da humanidade, os sociólogos da atualidade, comprometidos, de fato, com a superação deste sistema de opressão, não podem, e não devem, furtarem-se de uma análise crítica e sistemicamente contextualizada, em suas intervenções (declarações, discursos, artigos, livros, etc) junto à sociedade. Falar de racismo sem criticar severamente o capitalismo, sem apontar os caminhos para a construção de uma nova ordem econômica, social e política, servirá apenas para massagear o ego de uma intelectualidade vã e servil.
SER OU NÃO SER RACISTA, SERÁ ESTA MESMO A QUESTÃO ?
I - DOS ANTECEDENTES AOS DECENDENTES
É lamentável, porém compreensível que, em pleno século XXI, a humanidade ainda não tenha se livrado deste estigma, pois ao longo dos anos foi muita confusão feita na cabeça das pessoas, pelas classes dominantes e seus subalternos letrados, e não por acaso.
Quando a raça humana, única espécie racional no planeta, é irracionalmente dividida em sub-raças para justificar a superioridades de uns sobre outros e legitimar a escravidão, por interesses meramente mercantilistas, a classe dominante de então vai buscar explicações estapafúrdias para sustentar esta teoria nas crenças religiosas e em “confirmações” científicas.
No âmbito religioso vão buscar a sustentação desta tese numa passagem do Velho Testamento, mais precisamente no Livro de Gênesis em seu capítulo 9, quando Noé, que havia se embebedado com vinho, foi surpreendido nu em sua tenda, pelo filho Cão, que contou aos outros irmãos como tinha encontrado o pai e por isso foi amaldiçoado, pelo próprio pai, condenando para sempre a descendência deste filho, que o ultrajou, à servidão. Mas no relato bíblico, citado e reproduzido 'ipsi ilite ris” logo abaixo, uma questão fica clara, a servidão, independentemente de cor de pele, já existia. (...) 20 E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha. 21 E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. 22 E viu Cão, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora. 23 Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre ambos os seus ombros, e indo virados para trás, cobriram a nudez do seu pai, e os seus rostos estavam virados, de maneira que não viram a nudez do seu pai. 24 E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera. 25 E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos. (...)
Mais tarde a religião oficial, para manter os privilégios de sua casta dirigente, precisa se comprometer mais com os propósitos do poder dominante da civilização branca européia e não mede esforços para isso, declara peremptoriamente que escravos são desprovidos de alma, portanto não configurava pecado capturá-los, privá-los de liberdade, negociá-los como coisas ou animais, e até mesmo submetê-los a qualquer tipo de castigo e crueldade, para que fossem obedientes a seus proprietários.
A ciência, em perfeita sintonia com a ideologia dominante e nesse particular, em pleno acordo com o pensamento religioso, confirma que há diferenças biológicas que devem determinar a divisão dos seres humanos em raças e sub-raças, estando os brancos em condição de superioridade sobre negros e índios, e por isso estava satisfatoriamente justificado o fato deste últimos, sub-raças inferiores e selvagens, serem subjugados pela raça superior, branca e civilizada.
Apesar do aperfeiçoamento das relações sociais advindo dos processos de ruptura da ordem feudal para o porvir da sociedade democrático-burguesas, não se percebe nenhuma mudança no tratamento dispensado aos grupos humanos considerados diferentes e “minoritários”, pelo contrário, há uma exacerbação dos conflitos de interesses. A escravidão e as manifestações declaradamente racistas, não deixaram de existir nos Estados Unidos depois de 1776, ano de sua Declaração de Independência, nem na França, depois de 1789, com a derrubada do Estado Absolutista Monárquico e o advento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, concebida no turbilhão da Revolução Francesa.
Além de já estar bastante internalizada na cabeça da civilização a idéia da superioridade racial dos brancos sobre os outros (não-brancos), os incipientes Estados Democráticos não poderiam prescindir desta mão-de-obra, bem como da reprodução de capital que o comércio escravagista patrocinava.
Mesmo com tantos requintes e sutilezas ideológicas, a perpetuidade deste “status quo” social era insustentável, a manutenção deste tinha seus dias contados, apesar de longos e tenebrosos. Rebeliões de escravos e movimentos revoltosos de brancos que não concordavam com aquela situação insensata e injusta ameaçam romper a lógica do sistema e, como havia ensinado Maquiavel à nobreza, em sua obra O Príncipe (obra-prima de malícia para modelar a arte de governar pela força, intimidação e astúcia), “melhor seria ceder alguns anéis que perder os dedos”, a burguesia, classe dominante emergente, não titubeou em aplicar tão sábio ensinamento.
Cerca de uma década antes do ápice revolucionário burguês na França, representado pela tomada da Bastilha, já tomavam corpo na Europa os primeiros Movimentos Abolicionistas, com objetivo de eliminar definitivamente a escravidão da face do planeta. O trabalho pioneiro na criação de uma opinião abolicionista coube à Society of Friends (Sociedade dos Amigos), ou quacres, que, em 1774, fundaram na Pensylvania a primeira Associação contra o tráfico de escravos. Em 1787, com idênticos propósitos, funda-se na Inglaterra a Society for the Abolition of the Slave Trade (Associação para Abolição do Tráfico de Escravos) e sob a influência dos abolicionistas ingleses, funda-se, na França, a Societé dos Amis de Noirs (Sociedade dos Amigos dos Negros).
Tem-se então o início de um processo de arrefecimento do tráfico de escravos, que só assume uma postura mais arrojada e determinada, no sentido de banir da face da Terra esta tão deplorável e desumana atividade, alguns anos depois da Revolução Francesa, quando uma revolta de escravos, fomentada pelos abolicionistas, leva à independência o Haiti, sob a liderança dos escravos negros. Este fato, de enorme repercussão mundial, influência a Convenção francesa, que a 04 de novembro de 1794 proclama a abolição da escravidão em todas as colônias da França e proíbe, também, o tráfico de escravos, inclusive, por navios britânicos, era o prenúncio do ocaso da escravidão, mas seria, também, o fim da existência de um de seus piores subprodutos: o racismo? Com o raiar do novo dia, verificou-se que não, o racismo continuava vívido no seio da humanidade.
O fim da escravidão encerrou um ciclo de exploração e crueldade imprimida principalmente contra os negros, porém não eliminou a intolerância gerada pelos séculos a fio de convivência da humanidade com esta espoliação macabra, que deixou marcas profundas na carne tanto dos espoliados, como dos espoliadores. As relações sociais destes dois grupos estariam fadadas a serem eternamente conflituosas? Bem, infelizmente, até agora a resposta à esta questão é afirmativa, pois o sistema capitalista, hipócrita por natureza, não tem nenhum interesse em erradicar a idéia do racismo da cabeça das pessoas, afinal de contas este sistema, prescinde da divisão da humanidade, quando mais dividida mais fácil de aliená-la e mantê-la sob domínio, garantindo assim a perpetuação
deste sistema desumano.
Um exemplo bem recente e amplamente conhecido da situação que expomos no parágrafo anterior é o caso do Apartheid – uma política de segregação racial – implantado na África do Sul, em pleno século XX, pela Inglaterra, um nação rica e civilizada, que no século anterior constituiu-se em polícia do mundo contra o tráfico negreiro, colocando sua marinha à controlar e fiscalizar os navios que transitavam da África para a Europa; ameaçando cortar relações comerciais com países que ainda se valiam do tráfico de escravos para incrementarem suas economias, inclusive, exigindo do Brasil, em 1831, a assinatura de uma lei que proibisse o tráfico de escravos para poder continuar comprando nosso açúcar.
Era o ano de 1948, a recém criada Organização das Nações Unidas, após tornar mundial o princípio de reprovação da escravidão, proclamava, naquele ano, o art. 4º da Declaração Universal dos Direitos do Homem ao mesmo tempo em que na África do Sul, os ingleses implantavam o Apartheid, um conjunto de políticas de Estado que suprimia quase todos os direitos civis da maioria negra através de uma centena de leis, dentre as quais destacavam-se: a Lei dos Casamentos Mistos, que interditava o casamento entre brancos e membros de outas raças; a Lei da Imoralidade que tornava delituosa as relações sexuais entre brancos e não brancos e a lei sobre as regiões de reagrupamento que classificava a população em três raças – brancos, indígena (bantos) e mestiça – e estipulava locais distintos de residências para cada um desses grupos. Ao negro era proibido o livre trânsito no território nacional e vetado o direito de possuir terras, existiam serviços públicos de transporte, saúde e educação separados e diferenciados para negros e brancos. Essa situação esdrúxula e em dissonância com os preceitos de modernidade se manteve até 1984, quando medidas de flexibilização do regime segregacionista começaram a ser gradualmente colocadas em prática e, em 1992, num plebiscito, que gerou muita controvérsia no país, os eleitores brancos aprovaram o prosseguimento da política de distensão racial empreendida pelo, então, presidente, Frederik de Klerk, chegando este estágio ao seu apogeu com a eleição de um negro para presidência do país, Nelson Mandela, após passar 27 anos preso pelo regime segregacionista, só que o país devolvido para os negros estava arrasado pela pilhagem de suas riquezas naturais ao longo das quatro décadas que o ingleses dominaram.
Nos Estados Unidos a situação não era muito diferente, um negro era obrigado a ceder seu assento no ônibus se um branco o requisitasse, e na década de 50 uma negra negou-se a a fazer a “cortesia”, sendo presa e processada, foi Rosa Parks. Sua prisão foi o estopim para explosão de um movimento de desobediência civil, iniciado com o boicote aos ônibus de Montegomery (cidade do estado do Alabama) liderado pelo pastor evangélico Martin Luther King, que também foi preso durante a campanha, mas o movimento acabou por flexibilizar as leis racistas norte-americanas, só encerrando-se com a decisão da Suprema Corte Americana em tornar ilegal a segregação nos ônibus locais. O líder foi assassinado, uma década depois, mas seu exemplo de abnegação e disposição em lutar pelo que é bom e pelo que é certo nunca será esquecido. Nessa mesma época outro líder negro, conhecido como Malcom X, adepto de pensamentos e métodos bem divergentes do que preconizava o pacifista King, também abalava a estrutura social dos Estados Unidos na luta contra o racismo.
II - NO BRASIL NÃO TEM DISSO NÃO ... SERÁ MESMO ?
Para nos situarmos sobre a questão do comportamento da população brasileira acerca do racismo, como ele é entendido pela maioria das pessoas, precisamos conhecer um pouco da história de como o processo escravagista de desenvolveu em nossa “Terra Brasilis”, com a indiscriminada e completa dispersão de nações negras africanas inteiras; a disposição das mais diversas origens tribais pelas várias regiões do Brasil e quais foram suas influências na genealogia da população brasileira.
Se os índios tivessem aceitado, docilmente, tornarem-se escravos em suas próprias terras, certamente os portugueses não tinham trazido o negro africano para sua mais nova e rica colônia, mas como tal situação não se configurou, a importação de escravos negros para o Brasil era um mal necessário.
Parece que o primeiro negro a aportar no Brasil veio na armada de Martin Afonso. Negros e mulatos, uns ainda escravos, outros já forros, acompanharam Tomé de Souza na edificação da cidade de Salvador, em 1549. Eram os precursores de milhões de negros africanos que, por dois séculos e meio, seriam trazidos para o Brasil.
Na época do descobrimento, Portugal já estava na posse dos arquipélagos Madeira e do Cabo Verde, do litoral da Guiné, das Ilhas São Tomé e Príncipe, da embocadura do Zaire e de Moçambique que havia plantado uma fortaleza na Costa do Ouro, hoje Gana. No século XVI, começaria a conquista de Angola. De todos estes pontos vieram escravos para o Brasil.
As feitorias estabelecidas nas ilhas desertas do Madeira e do Cabo Verde detinham o monopólio do comércio de escravos que os negreiros iam buscar nos 'rios de Guiné', uma extensa região cortada por rios e canais navegáveis, muito maior que a atual República do Guiné-Bissau, afinal reduzida pela crescente pressão dos franceses ao norte, no Senegal, e dos ingleses ao sul, em Serra Leoa. Os entrepostos ficavam no rio de Cacheu e na ilha de Bissau, cercado de paliçadas e guarnecidos por artilharia, a cargo de 'lançados', brancos e mulatos corajosos que se incumbiam de reunir escravos e mercadorias em ponto onde os pudessem recolher as embarcações portuguesas. Habitavam os 'rios de Guiné' tribos de biafadas, papéis, manjacos, brames, balantas, felupes, baiotes, banhuns, nalus e bijagós, que, se chegaram até o Brasil, nem mesmo o nome deixaram de lembrança, assim como fulas e mandingas. Estes últimos, alcançados de algum modo pela penetração religiosa, política e militar do Islã em terras sudanesas, estavam em pleno processo histórico de criação de Estados e nacionalidades, interrompido violentamente pela escravidão e, mais tarde, pela ocupação militar de seu território pelas potências coloniais da Europa. Uns e outros cobriam, com milhares de povoados, a faixa meridional do Sudão, virtualmente desde o rio Senegal até quase o lago Tchad.
Os fulas (Fullah, Fellata, Foulbé, Peul) e os mandingas (Mali, Mandinka, Mnadê), vindos da Guiné Portuguesa, foram desembarcados em todo o nordeste, para a lavoura e as usinas de açúcar; e, a partir da fundação da cidade de Belém, em 1616, também na Amazônia. Uma companhia privilegiada, a de Cacheu, fazia esse transporte. Esses negros, genericamente chamados 'peças de Guiné', logo foram absorvidos na incipiente população brasileira. Os fulas singularizavam-se pela cor opaca, tendendo para o pálido, e o gentílico se tornou em pouco tempo um qualificativo comum para todo negro com a mesma compleição (fulo, negro fulo, negrinha fula) e, mais tarde, por extensão, passou a aplicar-se à ausência momentânea de cor nas faces das pessoas, negros ou brancos, como se vê na expressão “fulo de raiva”. Os mandingas que não haviam perdido de todo as antigas crenças pagãs ao contato com o Islã, pois na África negra a adesão ao maometismo foi um fenômeno essencialmente de cúpula, deram à língua portuguesa, com a sua designação tribal, um novo sinônimo para encantações e artes mágicas. O tráfico procedente da Guiné foi, entretanto, reduzido, sem termo de comparação com o das outras áreas.
Mal se firmava o tráfico na Guiné, contra o qual até a geografia do pais depunha, e já os portugueses se assenhoravam, pela força das armas, de novas fontes de braços na África. Em 1576 Paulo Dias de Novais fundava Luanda. O negro de Angola passou a concorrer com os de Guiné em todos os portos principais de escravos: Rio de Janeiro, Bahia, Recife e São Luiz. Enquanto duraram as lutas por avassalar o régulo Ngola e os seus sucessores, Inácio Airi e a rainha Jinga (Ana de Souza), o comércio de escravos se fez em pequena escala. Em 1641, os holandeses, já senhores de Pernambuco, tomaram a nova colônia portuguesa de Angola e de lá trouxeram negros, em grande número, para Recife, onde os vendiam para toda a zona sob domínio batavo, do Ceará a Alagoas. Cabia ao Brasil, no sistema administrativo colonial, a responsabilidade pelo governo de Angola: os negreiros emprestaram o dinheiro necessário para uma expedição armada contra os holandeses e, sete anos mais tarde, em 1648, Salvador de Sá ganhava a batalha da restauração. Assim povos negros de língua banto chegaram ao Brasil, quase ininterruptamente, até o fim do tráfico, em 1851, eram muxicongos (Mushicongos), banguelas (Guanguelas), rebolos (Libollos) e caçanjes de Angola, cambindas (Cabindas) da colônia vizinha do Congo. Com base ou escala em Luanda, os 'tumbeiros' contornavam a região meridional do continente para alcançar Moçambique, ou seja, a Contra-Costa, de onde traziam, para vender no Brasil, negros macuas e anjicos.
No século XVIII inicia-se o tráfico com a Costa da Mina, vale dizer, o litoral setentrional do golfo de Guiné. Dos 'rios de Guiné' para o sul o litoral africano estava sub-dividido em várias 'costas': a da Guiné, a da Malagueta ou dos Grãos, a do Marfim, a do Ouro e a dos Escravos. No século XVIII, a Costa da Mina englobava as três últimas 'costas', numa extensão total de 426 léguas, do cabo de Palma ao de López, no delta do Ogooué, hoje Gabão. Efetivamente, o comércio negreiro com a Costa da Mina, tem início em 1699, sendo autorizadas a realizar resgate de escravos naquela área 24 embarcações, registradas no porto da Bahia, cada qual levavam mercadorias, tais como tabaco, açúcar e aguardente, em quantidade equivalente a 500 negros.
Os negros desse região costumavam subir a bordo dos navios para fazer o embarque de ouro em pó, que traziam ao pescoço em pequeninos barris (aquis), a experiência com o ouro os indicava e predispunha, no consenso geral, para o trabalho no garimpo de ouro e diamantes em Minas Gerais. O tráfico encaminhou para o Brasil negros das mais variadas tribos, como fântis e achantis (Ashantis), chamados minas no país; txis (tshis) e gás, das vizinhanças do castelo da Mina; euês e fons, conhecidos no Brasil por uma de suas designações menores, jejes (djejes); iorubas, que os brasileiros preferem, como os franceses, dizer nagôs; tapas, haúças, canures (Kanuris), fulas, mandingas e grunces (Gurunsis). Estes negros, levados para a Bahia, eram daí transferidos, pelo interior, para as minas onde se vendiam a bom preço. As condições de transporte eram as melhores de todo o período do tráfico: enquanto os 'tumbeiros' procedentes de Angola 'perdiam', em média, 10% da carga humana, os que vinham da Costa da Mina registravam um 'prejuízo' de apenas 5%, Oliveira Martins, um historiador português nos dá uma vívida idéia dessa situação desumana à que eram submetidos nossos semelhantes negros, em nome da ganância e da ambição de homens brancos “civilizados” e do lucro para o avanço do sistema capitalista : (...)“Havia lá, no seio do navio balouçado pelo mar, lutas ferozes, uivos de cólera e desespero. Os que a sorte favorecia nesse ondear de carne viva e negra, aferravam-se à luz e olhavam a estreita nesga do céu. Na obscuridade do antro, os infelizes, promiscuamente arrumados a montes, ou caiam inânimes num torpor letal, ou mordiam-se, desesperados e cheios de fúrias. Estrangulavam-se: a um safam-lhe do ventre as entranhas, a outro quebravam-se-lhe os membros nos choques dessas obscuras batalhas. (...) Quando o navio chegava ao porto de destino – uma praia deserta e afastada – o carregamento desembarcava; e à luz clara do sol dos trópicos aparecia uma coluna de esqueletos cheios de pústulas, com o ventre protuberante, as rótulas chagadas, a pele rasgada, comidos de bichos, com o ar parvo e esgazeado dos idiotas. Muitos não se tinham de pé; tropeçavam, caiam e eram levados aos ombros, por outros, como fardos... O capitão, voltando à bordo, a limpar o porão, achava os restos, a quebra da carga que trouxera: havia por vezes cinqüenta e mais cadáveres sobre quatrocentos escravos transportados!” (...) (citado por José Capela. Escravatura: a empresa de saque – O Abolicionismo (1810~1875). Porto, Edições Apontamento, 1974, pg. 91).
Dada a pressuposição da experiência em mineração, o negro da Costa da Mina custava mais caro que o negro de Angola, simples braço para trabalhos grosseiros. Em pouco tempo este primeiros se constituíram numa elite da massa escrava, em especial do ponto de vista religioso. Tapas, nagôs e haúças, muçulmanos (malês), comandaram os negros da Bahia em sucessivas insurreições entre 1806 e 1835: uma projeção da Jihad Islâmica no Novo Mundo. Xangôs, candomblés, macumbas, todos os cultos negros do Brasil obedecem, em linhas gerais, ao modelo de cultos oferecidos por nagôs e jejes. Muito procurados nos primeiros anos da mineração, por volta de 1750 apenas mil deles eram adquiridos anualmente em Minas Gerais, à medida que a exploração do ouro e do diamante passava das mãos dos particulares para o governo da metrópole. Concentrados em maior número na Bahia, foram subseqüentemente vendidos para serviços domésticos urbanos no Rio de Janeiro, no Recife e no Maranhão.
A ocupação efetiva do território brasileiro alterou substancialmente esta disposição do elemento escravo. Desde o começo do tráfico de escravos para o Brasil, os portos de desembarque foram centros de distribuição de negros: o de São Luiz abastecia a Amazônia, o do Recife o nordeste, a Bahia servia a Minas Gerais; o Rio de Janeiro, a Minas e São Paulo. Desses destinos secundários o negro era vendido para mercados menores do interior, como Goiás e Rio Grande do Sul. A sucessiva mudança do interesse econômico principal, do açúcar para o ouro, do ouro para o café impôs demorado e variado contato lingüístico, religioso e sexual entre negros das mais diversa nações africanas.
A decadência da exploração do açúcar, com a inauguração do ciclo do ouro, deixou braços ociosos no litoral que foram absorvidos pelas minas, que insaciável, exigia a intensificação do comércio com Angola e impuseram a navegação para Costa da Mina. Em breve, porém, a exploração do ouro e dos diamantes, antes da iniciativa particular, passou a fazer-se sob o controle direto do governo da metrópole, a princípio com os contratos, em seguida com a Real Extração. O negro já parcialmente desviado das minas para a agricultura e a pecuária, foi então utilizado na cultura do café e, durante a guerra civil americana, do algodão. Em conseqüência, adotou a língua portuguesa, a religião cristã, os costumes nacionais e se destribalizou por completo.
Durante a escravidão distinguiam-se o negro 'boçal' ou novo, recém chegado da África, ainda sem conhecimento dos costumes do país; o negro 'ladino', africano, mas já com experiência da sociedade brasileira, e o negro 'crioulo', nascido e criado no Brasil. Uns e outros foram compelidos a ajustarem-se às condições vigentes no Novo Mundo. A Igreja católica, oficial, apenas batizava o negro novo antes de seguir para o interior, mas durante algum tempo tentou orientar para a religião cristã, nas cidades, primeiro os ladinos, em seguida os crioulos e os mulatos, favorecendo a criação de irmandades. O Estado recrutou negros e pardos para formações militares subalternas, as ordenanças, depois chamados henriques, do nome do chefe de uma delas, que se destacou na guerra contra os holandeses. O trabalho produtivo na cana-de-açúcar, na moenda do engenho, no tabaco, no garimpo do ouro e dos diamantes, no algodão, no café, na pesca da baleia, em artes e ofícios diversos e na prestação de serviços foi, porém, o fator mais constante de assimilação, impondo a língua, a alimentação, o traje, os hábitos de trabalho e de repouso, as relações familiares, a etiqueta e a disciplina. Esta vigorosa compulsão social, comparável, segundo a imagem corrente, a um rolo compressor, produziu, por um lado, negros forros e libertos (livres) e, por outro, três tipos de trabalhadores escravos, o negro de campo, o negro de ofício e o negro doméstico. A adaptação forçada do negro preparou o caminho para sua ascensão social, que se fez, penosamente, com o estabelecimento de relações primárias, de confiança e de respeito mútuos, entre senhor e escravo, e, por fim, com a alienação e o trabalho deste último.
De muitas maneiras o negro conquistava sua liberdade, uma liberdade precária, constantemente ameaçada pela polícia e pelo arbítrio dos brancos. Havia o negro forro, beneficiado diretamente pelo senhor, em geral em testamento, e o negro liberto, que comprava a sua liberdade ou a obtinha em virtude da lei ou de promessa do governo em troca de serviços especiais. A alforria contemplava de preferência velhos, doentes e inabilitados. Se de muitos forros se pode dizer que foram produto da bondade e do reconhecimento, a maioria deles, certamente, serviu à conveniência do senhor, deste modo eximia-se de alimentá-los e vesti-los, em especial sempre que a exploração econômica colocava em perigo a sua estabilidade financeira. O escravo, por si mesmo, podia obter a alforria, juntando soma equivalente ao valor pelo qual fora adquirido e propondo a transação ao seu senhor. Do plano individual, este esforço pela liberdade passou para o plano coletivo, com a criação das juntas de alforria em todas as partes, funcionavam como verdadeiras irmandades, onde o dinheiro angariado por todos servia, sucessivamente, á libertação de cada qual de seus componentes.
Os ventos dos movimentos abolicionistas vindos da Europa, começaram a refletir no Brasil e em 1851 o tráfico passa a ser proibido, apesar da lei ter sido assinada já em 1831, por exigência comercial da Inglaterra. Em 1871 entra em vigor a Lei do Ventre-Livre, passando a lei civil a proteger os negros nascidos no Brasil e em 1885, a Lei dos Sexagenários é assinada, beneficiando os escravos idosos.
A grande maioria dos escravos, porém, não teve a ajuda de circunstâncias tão 'propícias'. O negro de campo foi o braço agrícola. Mão-de-obra desqualificada, mourejou no cabo da enxada e nas roças de tabaco, no tempo da colônia e nas plantações de café e de algodão no império. Esteve mais do que os outros, sujeitos à discrição do senhor e era este quem dispunha de sua vestimenta, da sua alimentação, da sua moradia, do seu tempo e mesmo das suas relações sexuais. Os castigos mais atrozes e aviltantes, tronco, vira-mundo, cepo, libambo, peia, gonilha e as brutalidades mais terríveis, pontapés no ventre de escravas gestantes, olhos vazados e dentes quebrados a martelo, emparedamentos em vida, mutilações e aleijões, foram o quinhão do negro de campo, em especial enquanto o tráfico não sofreu limitações internacionais e, em conseqüência, a 'mercadoria humana' era abundante e barata. Em sete a dez anos, estafado pelo trabalho de sol a sol, 14 hora por dia, o negro de campo se transformava num trapo humano. Enquanto dispunha de alguma energia, organizava-se em quilombos, provia levantes locais ou evadiam-se em massa das fazendas. O recenseamento de 1872, o último do império, acusou menos de um milhão de lavradores entre a população escrava. Sobre os seus ombros o negro de campo sustentou todo o comércio exterior do Brasil.
Com o negro de campo coexistiu o negro de ofício, que ocupava um escalão ligeiramente superior. O negro 'de partes' ou oficial começou a surgir ainda no século XVI, nas usinas de açúcar, especializando-se na operação da moenda, da caldeira, da casa de purgar e na organização da caixaria do engenho. Mais tarde haverá negros barbeiros, ferreiros, pedreiros, marceneiros, seleiros, canoeiros e mulheres costureiras. No litoral, em 1837, um escravo qualquer custava 400$000 (quatrocentos mil réis), enquanto o preço de um escravo 'oficial' variava de 600$000 (seiscentos mil réis) a 1000$000 (um conto de réis). Por essa época já havia, no Rio de Janeiro, bons profissionais negros, alfaiates, capazes de cortar casacas, chapeleiras que competiam com as francesas, serralheiros, ourives, sapateiros, etc. Esses negros tanto serviam ao senhor como aos seus vizinhos e, às vezes, a toda a comunidade.
Havia ainda o negro doméstico, que era integrado à criadagem do senhor. As mulheres negras mais bonitas e agradáveis e os negros nais sociáveis, inteligentes ou atenciosos, e posteriormente os filhos destes, foram retirados do trabalho sempre que a flutuação do mercado internacional impuseram a diminuição da produção. Pajem, moço de recados, capanga, criado, quando homem e babá, mucama, cozinheira, doceira, quando mulher, o negro doméstico proliferou nas cidades, estabelecendo com a família do senhor relações amistosas, que se traduziram em 'crias de casa', 'afilhados', 'homens de confiança'. Todos serviam a ostentação de seu se nhor como sinal de riqueza e poder.
Os excedentes do negro doméstico, produto da ociosidade parcial das cidades, geraram dois subtipos: o negro de aluguel e o negro de ganho, o primeiro preparado deliberadamente pelo senhor para, servindo a outrem, lhe trazer ganho, o segundo pagando ao senhor certa soma por dia em troca da sua liberdade de ação.
Desde a entrada do regime da Real Extração nas minas, escravos passaram a serem alugados. O crescimento numérico do negro doméstico forçou o senhor a recorrer a esse expediente, que lhe economizava despesas e, ainda, garantia algum lucro. Em parte, o negro de aluguel teve colocação em atividades de tipo industrial, em especial na fabricação de tecidos, mas também trabalhava em metais, madeira, edificações, couros e peles, tinturaria, vestuário, chapéus, calçados, ou como canteiros, calceteiros, mineiros e cavouqueiros, perfazendo, em 1872, cerca de trinta mil escravos nessas atividades. O restante, em maior número no Rio de Janeiro e em São Paulo, foram absorvidos, no século XIX, pelo serviço doméstico alheio, de estrangeiros e burgueses, nas cidades.
Carregadores, moços de recados, condutores de cadeiras de arruar, vendedores ambulantes, eram os negros de ganho, que se incumbiam da movimentação de fardos, cargas e encomendas e da locomoção pública nas cidades, enfim, prestavam serviços de toda a natureza em troca de alguns vinténs. No Rio de Janeiro traziam cestas e varas; na Bahia e no Recife, balaios e rodilhas. Se, em grupo, transportavam volumes pesados e cantavam para aliviar a penúria do trabalho. Uma dessas canções foi recolhida na Bahia: “Ê, cuê / Ganhadô / Ganha dinhêro / pra seu sinhô”. O negro de ganho estabelecia-se e vivia por conta própria, às vezes sem fazer refeições ou dormir na casa do senhor, mas com a obrigação de pagar-lhe uma pataca, o equivalente a 360 réis, por dia. Esses escravos desfrutavam assim, de quase completa liberdade de movimentos, de que usaram para, em outras bases, reconstruir a vida.
Mais dos que as leis, as condições sociais e econômicas, ajudadas pelo esforço individual e coletivo dos negros, propiciaram e preparam a progressiva elevação da sua condição de escravo à cidadão. O ritmo crescente desse processo explica porque o 13 de maio beneficiou apenas 750 mil escravos, cerca da metade dos recenseados dezesseis anos antes, em 1872, e menos de 10% do total da população negra, na época.
Paralelamente, o negro vinha influenciando os costumes brasileiros. As estórias do Quibungo deleitaram e aterrorizaram a meninada; os cultos de origem africana, já com a orientação jeje-nagô, floresceram nos centros principais, conquistando adeptos em todas as classes; a capoeira e a pernada, que antes haviam defendido a liberdade de negros e mulatos, se acrescentaram às formas nacionais de defesa e ataque; o batuque de Angola invadiu os terreiros das fazendas e daí fez o caminho para as cidades, sob a forma de lundu, baiano, coco, samba; os modos de fazer da África encontraram lugar na cozinha, com a introdução do vatapá, do caruru, do arroz de cuxá; o traje de baiana substituiu os antigos, impostos pelo senhor. O negro tomou conta da rua. Sendo a maioria da população ativa, participa de todas as atividades urbanas, procissões, festas tradicionais, batizados, casamentos, enterros, eleições. O cortejo do rei do Congo serviram de modelo a maracatus e afoxés. O frevo, produto remoto da capoeira, a folia de São Benedito, inspirada na do Divino, e a escola de samba, que valorizou elementos de ternos e rancho de Reis, fizeram o seu aparecimento. O bumba-meu-boi e a dança dos bastões, folguedos da Europa, encontraram tal receptividade entre os negros, que ao primeiro foram incorporados personagens e à segunda rituais que os lembram. Tão brasileiro se sentia o negro, que se engajou na aventura das bandeiras; que em 1798 participou de uma revolta na Bahia por 'um governo de igualdade'; que adere à exaltação do indígena como símbolo da nacionalidade, durante a revolução da independência e os santificou nos seus cultos, na figura do caboclos, ou o festejou nos seus folguedos: cucumbis, cabocolinhos e caipós; que, por palavras e atos, fez a campanha abolicionista, com Luís Gama, Rebouças, José do Patrocínio.
Ao se instalar a república, o negro já era, em toda a força do termo, um brasileiro, integrado na vida, na paisagem cultural e humana do país, credor de contribuições numerosas à formação de nossa nacionalidade. Porém, é lamentável constatar, que mais de um século depois, o negro ainda não tenha ocupado o espaço merecido e que deveria lhe competir, de forma justa, igualitária e, verdadeiramente, democrática.
Infelizmente, abstraindo-se a hipocrisia reinante, para maioria da população branca, três séculos de escravidão, muito sofrimento, muito suor e sangue derramado pelo negro na construção do que se conhece hoje por Brasil, não foram suficientes para alça-los à condição, não só de figurantes, mas, de coadjuvantes e atores principais no cenário político-social da nação brasileira, nem como partícipe na condução dos destinos deste país.
Somente alguns poucos, pouquíssimos mesmo, têm alcançado um lugar ao sol, sendo apresentados como símbolos vivos da igualdade de oportunidades oferecidas, indiscriminadamente, a todos, num país miscigenado, servindo apenas à mistificação de uma pseudo-democracia racial brasileira.
III – CIENTIFICAMENTE EXPLICANDO OU SIMPLESMENTE COMPLICANDO ?
QUEM NASCEU PRIMEIRO A RAÇA OU RACISMO ?
A ciência do homem branco esclarece (ou melhor, obscurece) a questão.
O vocábulo raça nos remete a três conceituações distintas: (1) a do sistematizador: raças são subdivisões ou subgrupos numa mesma espécie; (2) a do antropologista moderno e a do geneticista: “populações mendelianas que diferem na freqüência de genes ou estruturas cromossomiais”; (3) a do evolucionista: são espécies incipientes e que resultam de um processo gradual de diversificação das populações naturais, em respostas às diferentes condições ambientais encontradas nos territórios por elas ocupados. As três definições não são mutuamente exclusivas; muito pelo contrário, completam-se harmonicamente.
A origem do termo raça, assim como a das demais categorias da sistemática biológica – espécie, gênero, família, etc. –, resultou de uma necessidade prática do homem em classificar e sistematizar a extrema variedade e descontinuidade do mundo vivo. Em 1738, Lineu, o grande sistemata sueco, classificou todos os homens em uma única espécie – Homo Sapiens – e subdividiu a espécie única em quatro grupos ou 'variedades'. O vocábulo raça, no entanto, só vai aparecer, pela primeira vez, no ano de 1775, na literatura biológica com o sentido atual, isto é, para designar grupamentos populacionais humanos diferentes, empregado por Blumenbach, o fundador da antropologia, ainda que tenha sido utilizado antes por Buffon, mas com outra acepção.
Os termos subespécie, variedade local, raça geográfica ou simplesmente raça passaram a ser empregados indistintamente como sinônimos. Há, contudo, um emprego preferencial por raça quando se trata do ser humano, reservando-se as demais designações para animais e plantas. Em função das controvérsias surgidas em torno do 'problema racial' daí decorrente, houve por parte dos antropologistas, uma proposta para seu abandono e substituição por uma expressão nova, não comprometida: grupo étnico. Porém esta intenção não se efetiva, pois não se mostra uma tarefa fácil combater um conceito construído para atender um interesse implícito na ideologia dominante, apenas substituindo um termo por outro. Divulgar e questionar os fatos biológicos elementares que fundamentaram o conceito científico de raça, se mostrará um meio bem mais eficiente e eficaz para combater o 'conceito racial' e, por conseqüência, os pré-conceitos que daí decorrem.
Como todo conceito científico, o de raça apresentou uma evolução. Neste processo histórico, podem-se distinguir duas fases: a fase primitiva, da antropologia clássica, que se estende de 1775 até aproximadamente 1940; a fase moderna, que se fundamenta nos princípios da genética das populações e nos da teoria sintética da evolução, iniciada em 1940 e estendendo-se até os nossos dias.
Para a morfologia e antropologia clássica tal conceito era essencialmente tipológico. As raças eram descritas em termos de 'médias' estatísticas para os caracteres que diferiam entre si e a reunião dos sistemas de média constituíam um 'padrão racial', com o qual os indivíduos eram ulteriormente comparados para sua classificação final.
Esse conceito primitivo encontrava sua fundamentação científica, logicamente, nas teorias biológicas pré-mendelianas que então estavam em vigor, ressaltando, entre outras, a 'teoria da herança pelo sangue', então unanimemente admitida, por autoridades de impressionante prestígio, como Charles Darwin.
Todas as dificuldades e controvérsias relativas ao problema racial decorrem deste fato, como uma conseqüência natural.
A 'teoria da herança pelo sangue' admitia (1) que os caracteres exibidos por um indivíduo fossem herdado pelo 'sangue' e transmitidos 'em bloco', conjuntamente, aos descendentes; (2) que estes representavam uma mistura dos caracteres dos genitores, exibindo um aspecto rigorosamente intermediário entre eles; (3) que, em conseqüência, em cada geração, por efeito da mistura admitida no item anterior, houvesse uma perda de 50% da variedade inicial existente nos genitores; (4) por fim, que, a cabo de muitas gerações, as populações tenderiam a uma homogeneização ou uniformidade, convergindo para uma média ideal das populações originalmente diversificadas.
Aí se encontra, implicitamente, o fundamento pseudocientífico da noção de 'raça pura', numa seqüência lógica, pois admitia-se que, primitivamente, deveriam ter existido 'raças puras' que exibissem característica bem definidas e absolutamente uniformes. A miscigenação ou encruzamento de seus representantes teria originado as populações atuais, que exibem, em diferentes proporções, misturas das características originais. O último e lógico passo, nesta série, foi associar, às características físicas e anatômicas, características psicológicas e culturais, para que se corporificasse a monstruosa concepção de 'raças superiores'.
Acrescentando-se que na antropologia clássica, essencialmente tipológica, a classificação racial se estendia até o individuo, isoladamente, é fácil concluir o motivo das dissenções e eternas controvérsias raciais, acrescida da incapacidade de muitos em distinguir o conceito biológico de raça do de comunidade nacional, lingüística ou religiosa.
Em tese, todas as dificuldades deveriam desaparecer no início do século XX, quando será suficientemente conhecido o conceito moderno de raça, que demonstra: (1º) que não existem 'raças puras', pois o seu fundamento biológico, a 'teoria da herança pelo sangue', não é mais aceito; (2º) que não há raças superiores, visto que é falsa e anticientífica a noção de que as características físicas esteja indissoluvelmente vinculadas, na herança, às características culturais ou psicológicas; (3º) que o problema da discriminação racial em função dos itens anteriores é insustentável; (4º) que as diferenças raciais são de ordem predominantemente quantitativa e não qualitativa, como supunham os antigos antropologistas; (5º) por fim, que, modernamente, a unidade nas classificações, raciais é representada pelos genes e pela população e não por complexos de caracteres fenotípicos e por indivíduos isolados.
O conceito moderno e genético de raça, assentado na redescoberta das leis de Mendel, em 1900, lançou por terra a velha 'teoria da herança pelo sangue' e, como decorrência natural, o primitivo conceito tipológico de raça a ela fortemente vinculado. Foram necessários, no entanto, mais de 40 anos para que o conceito atual emergisse definitivamente estruturado, e isto só se tornou possível quando surgiu um novo ramo da genética – o das populações, graças às contribuições de Theodosius Dobjanski e Sewall Wright, nos Estados Unidos, e Fisher e Haldane, na Inglaterra.
As leis de Mendel e o teorema básico da genética de populações – teorema de Hardy-Weinberg – vieram demonstrar que: (1) a herança não se opera pelo sangue e sim através dos genes ou unidades hereditárias; (2) que a herança é particulada, isto é, que os genes são entidades concretas, imiscíveis, que mantêm a sua individualidade e que não se misturam como se fossem duas substâncias solúveis entre si, como água e álcool; (3) que o que se herda são genes e não caracteres (ou fenótipos); (4) que os diferentes genes que condicionam caracteres não são herdados em bloco; muito pelo contrário, eles se disjungem e recombinam ao acaso, permitindo todas as combinações teoricamente possíveis; (5) que cada indivíduo se reproduz sexuadamente por fertilização cruzada e possui uma carga genética única e irrepetível; (6) que, em função das premissas anteriores, a variabilidade genética dos indivíduos e das populações se mantém indefinidamente sem que ocorra a pretensa homogeneização genética das populações; (7) por fim, que se torna cientificamente inadmissível falar-se em 'médias' de constituições genéticas ou genótipos.
Em decorrência deste fatos, criou-se o conceito moderno, genético de raça. A principal contribuição da genética na inflexão conceitual consistiu em demonstrar que as classificações raciais deveriam fundamentar-se na freqüência relativa de genes, tendo como unidade operacional a população e não os indivíduos isoladamente.
Ainda, e significativamente, as raças passaram a ser interpretadas como entidades dinâmicas, resultantes de uma evolução progressiva, gradual e ininterruptas, que traduz um incessante movimento de adaptação das populações naturais à diversidade geográfica dos ambientes.
Apesar do avanço na formulação da moderna conceituação de raça, sintetizada por Theodosius Dobjanski, em 1941, de que “raças são populações mendelianas que diferem na freqüência relativa de certos genes ou estruturas cromossomiais”, a definição ainda possui, como a maioria das definições, o inconveniente de conter em seu bojo termos não definidos. Importa, pois, explicitá-la. Ao fazê-lo, devem-se apontar as mais importantes limitações ao seu emprego.
A noção geral de população é por todos conhecida: é qualquer reunião de indivíduos, seres vivos e até objetos. Pode-se, assim, falar em população dos peixes de um lago ou em população de automóveis de uma cidade como referência e de todos os peixes, independentemente da espécie a que pertençam e que habitem um mesmo lago ou ao conjunto de automóveis de uma cidade.
O conceito de 'população mendeliana' é mais restrito e preciso. Aplica-se, especificamente, a comunidades sexuais ou grupos de indivíduos que, real ou potencialmente, possam entrecruzar-se por via sexuada e por fertilização cruzada. Em outras palavras, uma 'população mendeliana' é uma população constituída por indivíduos ligados entre si, biologicamente, por uma descendência comum ou por laços de parentesco ou cruzamento.
À noção genética de 'populações mendelianas' estão ligados princípios biológicos de fundamental importância e que representam fatores que limitam a utilização do conceito genético de raça. Assim, a definição de raça é válida somente para organismos que se reproduzam por via sexuada, isto é, onde exista completa diferenciação sexual e onde a origem do novo organismo seja biparental, pela fusão de duas células sexuais ou gametas: o masculino e o feminino.
Em conseqüência, (a) o conceito genético de raça não é aplicável aos organismos que se reproduzam por via assexuada, vegetativa ou uni-parental, onde os gametas não se formam e nos quais se constituem 'clones' ou 'linhas puras', cujos membros são geneticamente idênticos. Somente nestes grupos, geneticamente uniformes, é que se poderia falar em 'raças puras', mas, por definição, o conceito genético de raça a eles não se aplicam; (b) a definição é válida somente para organismos que se reproduzam por fertilização cruzada. Implicitamente ela não se aplica, igualmente aos indivíduos que se reproduzem por autofertilização, como os hermafroditas ou os que apresentam uma reprodução partenogenética obrigatória; (c) do conceito de 'população mendeliana' decorre uma noção da mais alta significação biológica – a de 'gene pool' ou 'banco de genes', ou ainda, 'fundo de genes' ou 'conjunto de genes'. Como os indivíduos pertencentes a uma 'população mendeliana' representam uma comunidade sexual integrada biologicamente, de modo real e potencial, por laços de parentesco ou entrecruzamento, deduz-se que cada 'população mendeliana' possuirá um 'fundo de genes' específico a ela; (d) finalmente, em função da reprodução sexuada por fertilização, da recombinação mendeliana dos genes da natureza do 'gene pool', conclui-se, logicamente, que não se podem definir esta populações, como faziam os antigos antropologistas, em termos de 'médias', já que não há médias para os genótipos ou para os genes, que são essencialmente descontínuos. É possível, no entanto, caracterizá-las de modo preciso e objetivo, em termos de freqüências de genes ou freqüências dos determinados tipos das alterações que ocorrem nos cromossomos. As 'populações mendelianas' que diferem na freqüência de genes denominam-se, então, raças.
Tendo em vista, então, esta definição para explicar a subdivisão racial da espécie humana, esbarramos numa questão crucial, a dos grupos sanguíneos, que abala, mais ainda, os alicerces das teorias que ainda sustentam o racismo, isto é, a idéia de que as diversas etnias humanas sejam consideradas raças distintas.
Um dos mais importantes genes humanos é o que determina os grupos sanguíneos. Há, essencialmente,três alelos ou formas principais deste gene: IA, IB e i, que condicionam, nas diferentes combinações genéticas possíveis, respectivamente, os grupos sanguíneos A, B, AB e O. A análise das distribuição dos grupos sanguíneos nas diferentes populações humanas revelou dois fatos altamente significativos: (1) com algumas poucas exceções, todos os grupamentos humanos examinados em todas as regiões do globo revelaram-se como constituídos pela presença dos quatro grupos sanguíneos, e, consequentemente, dos genes por eles determinados; (2) os grupamentos humanos geograficamente distintos exibiram freqüências diferentes na incidência dos mesmos. Assim, por exemplo, as populações da Ásia Central e da Índia apresentam freqüências muito altas do gene IB, determinador do grupo sanguíneo B; o gene IA, que determina o grupo sanguíneo A, é extremamente comum nas populações da Europa Ocidental, em algumas parte da África, na Austrália e em algumas tribos de índios americanos. O gene i, determinante do grupo sanguíneo O, apresenta uma distribuição geográfica mais uniforme, sendo extremamente freqüente, no entanto, em algumas tribos de índios americanos e brasileiros. O importante a ressaltar é que entre esses pontos geográficos de maior incidência de determinados genes há um gradiente na diversificação das freqüências, escalonando-se grupamentos populacionais com freqüências mais ou menos intermediárias.
Daí concluí-se que o conhecimento do grupo sanguíneo de um determinado indivíduo é absolutamente insuficiente para classificá-lo numa 'raça' ou, até mesmo, para determinar a localização geográfica da população a que ele pertence.
Por tudo isso, é muitíssimo mal definida a base do racismo, isto é, o conceito de 'raça pura' aplicada aos homens, sendo praticamente impossível descobrir-lhe um objeto bem identificado. Não se trata de uma teoria científica, mas de um conjunto de opiniões, além de tudo pouco coerentes, cuja principal função é a de alcançar a valorização, generalizada e definida, de diferenças biológicas entre os homens, reais ou imaginárias.
O racismo subentende ou afirma claramente que existem 'raças puras', que estas são superiores às demais e que tal superioridade autoriza uma hegemonia política e histórica, pontos de vistas contra os quais se levantam objeções consideráveis. Em primeiro lugar, a quase totalidade dos grupos humanos atuais são produto de mestiçagens. A constante evolução da espécie humana e o caráter sempre provisório de tais grupos tornam ilusória qualquer definição fundada em dados étnicos estáveis. Quando se aplica ao homem o conceito de pureza biológica, confunde-se quase sempre grupo biológico com grupo lingüístico ou nacional, como se verificou em relação à noção do homem ariano, de que se serviram Gobineau e seus discípulos nazistas.
Ainda que se admita a existência de uma pureza biológica, por que ligá-la à idéia de superioridade? Fosse mesmo possível, por hipótese, registrar superioridades biológicas, em ligação com traços étnicos, não ficaria demonstrado que elas condicionem, necessariamente, superioridades psicológicas ou culturais, sobre as quais o racismo se apega. Se reais essas superioridades, provisória ou definitivamente, ligadas ou não a uma eventual pureza, por que legitimariam um hegemonia política?
Não se está em presença de uma conseqüência cientificamente estabelecida, mas de uma decisão política, de uma vontade de estabelecer semelhante hegemonia, falaciosamente apoiada em argumentos biológicos e culturais.
O racismo não é uma teoria científica, mas uma pseudo-teoria, um conjunto de opiniões, sem articulações lógicas com dados biológicos mais ou menos precisos.
As supostas relações raciais estabelecidas e defendidas por aqueles que acreditam pertencer a uma raça distinta e que só permitem o contato entre os indivíduos ou grupos considerados membros desta raça, pressupõem, fundamentalmente, que indivíduos sejam vistos e tratados como pertencentes a um grupo biológico, ou supostamente biológico. Sem este requisitos, as relações raciais não seriam diferentes de quaisquer outras relações encontradas nas sociedades humanas. Envolvem, também, habitualmente, falsas noções de superioridade e inferioridade racial.
A história da humanidade refere-se, desde os tempos mais antigos, a relação entre povos racialmente distintos, que se originaram com as migrações. Entretanto, antes da época de expansionismo das nações européias as relações raciais não apresentavam a feição que modernamente as caracteriza.
Entre egípcios, gregos e romanos, as relações eram as de vencedor e cativo, e vigoravam indiferentemente, mesmo com povos a eles semelhantes. Durante toda a Idade Média, a base do antagonismo entre povos era, sobretudo, de natureza religiosa. Graças à grande força política da Igreja católica, justificava-se a conquista e a submissão de povos para incorporá-los à cristandade. Ainda quando dos primeiros contatos entre portugueses e africanos, não havia qualquer atrito de ordem racial.
O descobrimento do Novo Mundo ofereceu enormes possibilidades de exploração econômica, dependente, todavia, de braços que a empreendessem. A escravidão a que foram submetidas as populações nativas da América e, em seguida, vários povos africanos, num primeiro momento, foi intensamente criticada pelos missionários, porém, para não perderem seus privilégios, acabaram se submetendo à sanha colonialista dos conquistadores europeus, apresentando argumentos para justificar a dominação e subjugação dos “selvagens” índios nativos e negros africanos pelos “civilizados” homens brancos europeus.
Eram mais do que patentes as intenções dos traficantes e senhores de escravos. No início, sem a bênção religiosa, necessária para justificar a escravidão, aparece assim, a racial, atribuindo-se às populações de cor, sob a alegação de que não eram humanas no mesmo sentido, uma suposta inferioridade em relação às brancas. Na realidade, racionalizava-se, conferindo-lhe portanto foros de legitimidade, a escravidão indispensável àquele estágio de desenvolvimento econômico (capitalista) das potências colonialistas européias.
As relações raciais assumiram quase invariavelmente, a partir desta época, uma condição de domínio-subordinação entre povos em contato, na qual o domínio é exercido pelos povos de cultura mais adiantada, os brancos, capazes de subjugar os demais, povos de cor. Compreende-se que, em virtude desta condição, o conflito se tenha apresentado quase como uma constante nas relações raciais.
Resulta ainda, desta condição, terem as populações de cor sido, desde logo, relegadas aos níveis mais baixos das sociedades em que foram introduzidas, e terem ficado impossibilitadas de manifestar plenamente suas capacidades. Fácil, portanto, manterem-se as idéias de superioridade e inferioridade racial, uma vez que por motivos econômicos se lhes impediam, a princípio, e se lhes dificultavam, depois, as oportunidades de adquirirem as mesmas qualificações tradicionalmente reservadas aos brancos. Não raro, a possibilidade de ascensão através de união matrimonial com os dominadores lhes foi, e em alguns casos, ainda é, proibida. Desta maneira, até hoje, os indivíduos de cor pertencem às camadas mais baixas das sociedades mistas de que fazem parte.
Atualmente as relações raciais variam desde a tolerância, como nos casos do Brasil e Havaí, até à discriminação e à segregação, como vistas nos Estados Unidos e, recentemente, na África do Sul ou ainda a coexistência destas duas formas, como acontece na Inglaterra.
IV – MISCIGENAÇÃO, CAUSA OU EFEITO?
No Brasil, as relações raciais caracterizam-se pela aparente harmonia sem que jamais tenha existido um código racial.
Como Portugal, por inúmeros fatores históricos, nunca viesse alcançar o desenvolvimento industrial similar ao de outros países colonialistas, ficando mais tempo sob a tutela política e econômica da Igreja, somado ao fato dos portugueses já estarem afeitos, pelo longo período de contato com os mouros, às uniões com um grupo diferente, a miscigenação, inicialmente com índios e posteriormente com negros, foi, de forma natural, institucionalizada, com a tolerância da Igreja que, em certa medida, até, facilitava essas ligações.
No sistema patriarcal, senhores e escravos viviam em grande intimidade. Os mestiços, sobretudo os mulatos filhos de senhores, eram considerados membros da família. As uniões mistas, legais ou não, ainda se observaram, mesmo depois que o número de mulheres brancas era suficiente. Hoje, caso se tentasse estabelecer discriminação racial, à base de características aparentes, haveria a separação de membros de inúmeras e mesmas famílias.
A noção das relações harmoniosas dentro de um sistema escravista benevolente não deixa de exibir suas semelhanças com o retrato rosado do sul escravista dos Estados Unidos antes da Guerra Civil que consta dos familiares clássicos da literatura e do cinema hollywoodiano. Mas o sabor latino do machismo marca profundamente essa ideologia, como ilustra a doce versão da miscigenação apresentada pelo Etnólogo francês Pierre Verger quando descreve como os filhos brancos dos fazendeiros (...) andavam pelo eito junto com os negrinhos que serviam-lhes recebendo o castigo no seu lugar mas também como colegas de brincadeira e de escola. Eles adotaram reações e padrões de comportamento africanos. Mais tarde, eles teriam sua iniciação sexual com as meninas de cor que trabalhavam na casa grande ou no eito, assim infundindo elementos de atração sensual e de compreensão mútua nas suas relações com aquilo que escolhemos chamar pessoas de diferentes raças.(...)
O abuso sexual contra as mulheres subjugadas é uma questão de dominação, seja nas guerras, seja na manutenção dos regimes coloniais ou autoritários. A miscigenação enquanto fruto desse abuso pouco transmite sobre a compreensão ou atração entre seres humanos, mas fala eloqüentemente sobre o controle violento das mulheres. O gênio da ideologia brasileira foi o de fazer dessa violência o cerne de um discurso auto-elogioso em que a elite branca se purga de qualquer responsabilidade ou culpa por seus excessos de opressão. Gilberto Freyre, inventor do conceito do Luso-tropicalismo, é o mestre desse discurso: descreve graficamente, em minuciosos detalhes, os horrores da tortura e das injustiças cometidas contra os africanos escravizados, e depois conclui deixando pérolas como a seguinte a brilhar contra o pano de fundo da desigualdade no Brasil: (...) O cruzamento tão largamente praticado aqui corrigia a distância social que de outra forma teria permanecido imensa entre a casa grande e a senzala. O que a monocultura latifundiária e escravista produziu em termos de aristocratização, dividindo a sociedade brasileira em classes de senhores e escravos, (...) foi em grande parte neutralizado pelo efeito social da miscigenação. As mulheres índias e africanas, de início, depois as mulatas, as mais claras, as oitavas e assim por diante, tornando-se domésticas, concubinas e até mesmo esposas legítimas dos senhores brancos, desempenharam papel poderoso na democratização racial no Brasil. (...)
Tais idéias são intrincadamente combinadas com uma hierarquia de cor que já foi definida por intelectuais afro-americanos da região como pigmentocracia, em que a pele mais clara é identificada com maior prestígio e posição econômica. Constitui motivo de avanço na hierarquia social não apenas "melhorar a raça", como também rejeitar a identidade africana e assumir os valores culturais e os critérios de beleza pessoal europeus.
Central a essa questão são as minúcias do discurso sobre a mulata, cuja imagem como padrão de beleza no retrato rosado da sociedade não racista tem sido redondamente denunciada como uma cortina de fumaça e uma racionalização da exploração sexual. O ideal estético de beleza pessoal que prevalece no Brasil é o da loura de olhos azuis, que em contraste com a mulata não é estereotipada como fácil ou quente. Não é à toa que se diz "branca para casar, negra para trabalhar, mulata para fornicar".
A compulsão social da brancura constitui herança comum aos regimes coloniais, e os problemas psicológicos que a acompanham têm sido revelados desde há muito tempo por estudiosos como Frantz Fanon, psiquiatra e ensaísta francês, e pelo tunisiano Albert Memmi, um dos mais importantes escritores do pós-colonialismo. O que nos diferencia é que, em vez de ser visto como uma das muitas faces do supremacismo branco ou como legado do colonialismo, essa compulsão da brancura é apresentada como prova positiva do anti-racismo latino. O seguinte exemplo apresentado pelo escritor alagoano Manuel Diegues Jr., expressa bem o esforço da elite dirigente no sentido de apresentar o Brasil como um país branco a despeito da realidade dos fatos demográficos:
(...) é evidente a predominância do contingente branco (da população brasileira), já que no Brasil até mesmo aqueles de raça mista que têm uma quantidade grande ou pequena de sangue negro ou índio, mas sem os traços físicos de um desses grupos, são considerados brancos. O que demonstra a ausência de qualquer discriminação de natureza racial, em termos da origem étnica da pessoa.(...)
Nas ciências sociais brasileiras, vastas reservas de energia têm sido e ainda são dedicadas a esta última hipótese, de que exista uma diferença essencial entre a rejeição da aparência africana e a rejeição da origem africana. O critério da hipo-descendência é considerado racista, enquanto o "preconceito de marca", o critério de cor da pigmentocracia baseado na aparência, é visto como arbitrário e inocente, uma antipatia puramente estética ao fenótipo mais escuro. Para adornar esta ridícula idéia, os teóricos desassociam o fenótipo africano da origem africana e concluem que os latinos desenvolveram uma forma "mais benigna" de preconceito, de natureza não racial.A ideologia do embranquecimento conseguiu tornar os critérios demográficos uma bagunça geral ao pressionar os entrevistados dos censos a situar-se nas mais claras entre as três categorias oficiais de cor: branca, preta ou parda. É notória a subestimação do número de afro-brasileiros no processo oficial dos censos, observada tanto por demógrafos como por cidadãos preocupados com as políticas públicas. Os demógrafos também reconhecem a distorção das estatísticas oficiais, em que o grupo preto perde muito, o grupo pardo ganha muito mais do que perde, e o grupo branco ganha bastante sem perder nada. Em 1989-90, importantes entidades da comunidade afro-brasileira lançaram a campanha "Não deixe sua cor passar em branco" com o objetivo de incentivar os negros a identificar-se como tal diante do Censo. Se as estatísticas oficiais situam a população negra como aproximadamente 48% da população, as estimativas que levam em conta a distorção resultante do efeito da ideologia do embranquecimento são mais perto de 70% ou 80%, certamente a ampla maioria da população.
A categoria parda, uma espécie de "abrange tudo" utilizado desde 1940 para acomodar as classificações extremamente subjetivas utilizadas pelos brasileiros, é reconhecidamente desajeitada e artificial. Entretanto, quando os respondentes se classificaram de forma espontânea no PNAD de 1976, o resultado foi a citação de 136 categorias diferentes de cores, refletindo o esforço dos mais claros no sentido de não serem classificados nas mesmas categorias que aqueles mais escuros.
Sem dúvida, entretanto, a hegemonia pertence ao "moreno", um termo que dá plena vigência às divagações subjetivas da consciência brasileira de cor. Pode ser usado para descrever pessoas muito negras ou mestiços bastante claros, dependendo da conclusão que se quer chegar. Geralmente, entretanto, a conclusão desejada é evitar dizer "negro", "preto" ou "escuro", mesmo se a pessoa pode perfeitamente ser identificada como pertencendo a uma gama de variações de cor indicativa de sua origem africana.
Assim chegamos à verdadeira natureza da grande quantidade de designações de cores: o eufemismo. A carga pejorativa de palavras como "negro", "preto" e "escuro" faz com que qualquer uma dessas expressões seja tradicionalmente um insulto; assim gasta-se considerável esforço para evitá-las educadamente. Por outro lado, a noção geralmente pejorativa da africanidade é cuidadosamente extirpada da identidade nacional brasileira, com exceção de algumas instâncias muito específicas como a música, a culinária, o folclore e os esportes, onde é definida em grande parte por aqueles que não a criaram e onde é exibida como "prova" da harmonia racial e da tolerância da diversidade. Já que a identidade africana continua a ser vagamente considerada uma ameaça à unidade nacional, as expressões intimamente associadas à africanidade são evitadas, em parte como uma questão de lealdade de cidadania, e assistimos aos freqüentes protestos de que alguém não é negro nem afrodescendente nem de origem africana, mas brasileiro.
Mas há, realmente, grande variação quanto à cor, na população brasileira. Os negros e os mulatos, bem como outros mestiços, ocupam, de fato, os níveis inferiores da sociedade. Donde se desloca a associação de cor à classe, e o preconceito social, e não racial, para com as populações de cor no Brasil.
No Brasil se forjou a idéia de que as formas assumidas pelos contatos inter-raciais são fundamentalmente pacíficas. Os historiadores conhecem bem a montagem de uma ideologia da desracialização no século XIX, que silenciava sobre a raça, mas que, na prática, escravizava as pessoas (com legislação e políticas públicas), fundada em estrita fundamentação racial.
Tal prática não se tornou incompatível com as narrativas da miscigenação. Mistura e exclusão – em termos raciais sempre andaram juntas no caso brasileiro. A raça não era evocada – já exaltavam Joaquim Nabuco e outros abolicionistas – , mas as tensões que poderiam sugeri-la preocupavam sobremaneira.
Mesmo na montagem do moderno Estado nacional brasileiro, a questão aparecia ausente dos debates, mas não das tensões – em termos raciais no sentido das expectativas de cidadania – que reverberavam nas ruas, parlamentos, palácios e pasquins. Desde a celeuma sobre o fim do tráfico atlântico, passando pelas propostas imigrantistas, a questão ressurgia em termos dialógicos com os projetos de nação. Quem eram os cidadãos, suas origens sociais e étnicas? Quais os limites dessa cidadania em termos de imagens de raça e nacionalidade? O debate sobre participação política no período de pós-independência igualmente foi profundamente marcado por tensões, com expectativas de libertos e "homens de cor" livres.
Em outras sociedades pós-coloniais, como Cuba e Venezuela, não foi diferente. A idéia de uma positiva excepcionalidade da escravidão, abolição e relações raciais no Brasil é mais um discurso da ideologia racial. Sob silêncios estrondosos, os projetos de nação eram apresentados, escolhas feitas e políticas governamentais desenhadas: sempre preservando e ampliando as disparidades raciais existentes.
Ao longo de todo o século XX tal padrão cultural, em meio ao contexto de modernização do país, se prorrogou mediante a naturalização dos papéis sociais ocupados por brancos e negros (e os mestiços portadores das distintas marcas raciais). Assim, a harmonia racial à brasileira, suposto patrimônio nacional imaterial, somente pode ser entendida desde esse parâmetro. Qual? Excluir em termos raciais sem jamais falar em público sobre raça. Destarte, tudo fica na mais perfeita ordem, desde que, é óbvio, os negros saibam qual é o seu lugar.
A sociedade em que vivemos pode não ser racializada, mas a desigualdade sim. Tais práticas sociais são irredutíveis a outros contextos, tendo em vista ser uma genuína criação nacional. Mas para um país que, além do seu talento no samba e no futebol, se notabilizou pelas suas extremadas assimetrias sociais é fundamental reconhecer tal dimensão. A cor da pobreza do Brasil é negra. Esse perfil não se associa apenas ao distante passado escravista, mas está, também, correlacionada com a perpetuação de um modelo de relações raciais que tendeu a, denodadamente, preservar tal realidade.
O estudo da mobilidade social ascendente da população brasileira, em particular o aumento apontado por diferentes estudos demográficos das classes médias em relação aos demais segmentos populacionais, leva-nos a uma reflexão sobre as desvantagens raciais relacionadas à ascensão social de não-brancos.
Embora a classe média tenha crescido em termos relativos e absolutos, entre a população negra esse crescimento foi significativamente menor. Segundo dados do IPEA, a quantidade de negros pertencentes à classe média ainda é muito pequena. Apesar disso, a classe média negra das capitais brasileiras teve um crescimento relativo de 10% entre os anos de 1992 e 1999, chegando ao patamar de um terço da classe média brasileira.
Ao pesquisar em um contexto histórico anterior ao dos anos setenta, as dificuldades de ascensão social para a população negra assim foram apresentadas por Florestan Fernandes: (...)“as nossas observações evidenciaram duas tendências globais. Primeiro, uma que se associa à proletarização. As parcelas da “população de cor” que lograram classificar-se socialmente, em sua quase totalidade, cabem nessa categoria. Segundo, outra que se vincula à ascensão do negro e do mulato a ocupações ou profissões cujo nível de renda assegura um padrão de vida e prestígio social mais ou menos característicos das classes médias da sociedade inclusiva. A nossa experiência demonstrou que esta tendência afeta um número muito reduzido de pessoas. Além disso, existem casos esporádicos de “indivíduos de cor” e de “famílias negras” de fato pertencentes aos estratos superiores do sistema.” (...)
Segundo estudos mais recentes, podemos verificar que a mobilidade social ascendente para a população negra continua limitada. Dentre os fatores negativos gerados pela sociedade racista está a dificuldade de conversão da educação formal em posições ocupacionais compatíveis, segundo Pastore & Silva. Para os dois autores, referindo-se aos dados levantados em sua pesquisa, as informações que coletaram: (...) “sugerem que os não-brancos experimentam uma desvantagem na conversão de sua educação formal em posições ocupacionais, o que pode estar vinculado a processos de discriminação racial no mercado de trabalho.” (...)
Também deve ser lembrado aqui o difícil acesso à educação de boa qualidade por parte da comunidade negra, pois, segundo Pastore & Silva: (...) “em maior ou menor medida, dependendo do estrato social de origem, as pessoas do grupo não-branco contam com uma severa desvantagem no acesso a um recurso crucial na competição por posições na estrutura social, como é o caso da educação formal”. (...)
Quando analisamos a situação de afro-descendentes que já alcançaram a classificação social como classe média, surgem outras indagações relativas à sua “nova” identidade. Os afro-descendentes afluentes não são, e, nem se sentem, bem-vindos na sociedade como um todo. Realmente, não são bem aceitos. Pesquisas atinentes a esta temática, em bairros considerados “nobres”, em grandes cidades brasileiras, têm confirmado esta tendência.
Para a população negra de classe média a superação dos estereótipos vinculados à cor, (admitindo-se que os negros se encontram muito freqüentemente realizando atividades desprestigiadas socialmente), constitui-se um problema que podemos associar a uma redefinição da própria identidade negra. Como se não fossem suficientes as dificuldades de uma recente transição do país de economia agrícola para economia urbana industrial e de serviços, há, ainda, o peso da herança deixada pelo longo período de escravidão no país, que influencia o racismo a que negros ainda são submetidos.
Neste sentido é que os afro-descendentes se empenham para a aquisição de certos símbolos que garantam sua distinção em relação ao restante dos afro-descendentes pertencentes às camadas populares, como a posse de um diploma universitário, o exercício de um trabalho não manual e o cultivo de algumas práticas de consumo que envolve diferenças no tamanho das residências, no modelo e ano do automóvel adquirido, no número de empregados domésticos e no modo de vestir.
V – CONCLUSÕES
SERES HUMANOS: QUE RAÇA COMPLICADA!
A ascensão social da população negra tem como maior obstáculo a discriminação racial existente em nossa sociedade, apesar de habilmente disfarçada pela ideologia dominante. Ao incorporar uma representação do espaço social como um espaço em que é possível a ascensão social, os cidadãos negros de classe média muitas vezes relevam o fato de o racismo existente na sociedade brasileira tornar suas perspectivas de futuro frustradas, o que corresponde a reconhecermos que um conjunto de possibilidades teoricamente existentes, na prática podem se tornar inviáveis para um negro no Brasil, limitando efetivamente o campo de suas possibilidades, já que nem sempre o capital cultural acumulado pelos negros pode ser convertido em uma posição social correspondente.
As políticas afirmativas ou compensatórias, como a criação de organismos estatais de fomento à “igualdade racial” e estabelecimento de quotas para “minorias” só contribuem para exacerbar o latente ressentimento racial existente no íntimo das pessoas e rebaixar a auto-estima dos pretensos favorecidos, institucionalizando a condição de superioridade e inferioridade de determinadas parcelas da população sobre outras.
O Estado precisa, sim, estimular a meritocracia, dando as condições necessárias para que todos, indistintamente, tenham acesso à educação pública de qualidade e ao mercado de trabalho, sem alimentar no indivíduo, independentemente de sua cor, o sentimento de que sua ascensão foi resultado da concessão de uma parte da sociedade que, sentindo “pena” de sua condição de inferioridade em relação a ela, lhe deu uma chance.
Como o sistema capitalista prescinde da segmentação social, como proclama a velha máxima, “dividir para governar”, a idéia de uma humanidade dividida em raças, continua e, enquanto existir capitalismo, continuará, sempre, sendo reforçada pela ideologia burguesa e aqueles que, em nossa história contemporânea, se dispõem a fazer oposição organizada e sistemática através de movimentos genuinamente “anti-racistas” ou de lutas pela “igualdade racial”, estão apenas contribuindo para a manutenção deste “status quo” social, com a perpetuação da sociedade de classes, dividida entre exploradores e explorados, de forma extremamente desigual, com os primeiros se apropriando da quase totalidade de riquezas geradas pelos outros, independentemente da cor.
Apesar dos negros terem sido submetidos pelos brancos a muitos sofrimentos num passado recente, não se pode esquecer que na África os próprios negros capturavam e vendiam outros negros, alimentando o tráfico de escravos, como também nas colônias eram, na maioria, negros, os capitães do mato, que empreendiam caçadas aos negros que fugiam do jugo da escravidão, portanto não se justifica pela história o tão disseminado ressentimento “racial”, em nenhum dos sentidos. A imposição histórica foi movida, sempre, por interesses capitalistas. A ambição e a ganância dos exploradores, sejam brancos ou negros, são os motivadores de toda sorte de injustiças, crueldades e desumanidade que permeiam as relações entre os povos do planeta, desde quando se introduziu a idéia de propriedade privada no seio da humanidade. Jamais reinará a paz entre os homens enquanto esta idéia não for combatida e abandonada, substituída pelo ideal de propriedade coletiva de todos os meios de produção e recursos naturais disponíveis e necessários para o desenvolvimento sustentável de todos os habitantes da Terra.
Os críticos da utopia realizável, propugnada por Marx – de uma sociedade socialista, rumo ao comunismo, em escala mundial – certamente inferirão: “mas as experiências históricas de superação do capitalismo, fracassaram e os Estados que assumiram um regime anti-capitalista nem sequer melhoraram suas relações raciais internas e fronteiriças, pelo contrário, foram protagonistas de muitos conflitos étnicos!”, o fato é que houveram desvios (e muitos) de ordem prática, por uma série de fatores históricos e subjetivos, bem como lacunas teóricas para orientar os atores sociais nessa imensa empreitada que era a superação do sistema capitalista. Uma lacuna que deve ser preenchida diz respeito ao componente religioso, que fora neglicenciado por Marx. É inconcebível pensar uma sociedade igualitária, de homens, verdadeiramente, livres e fraternos sem levar em conta suas crenças milenares. Por exemplo, se a linha do tempo da história da humanidade é cortada pelo evento Cristo, a.C e d.C, porque não buscarmos referências no fato motivador desse evento, a suposta passagem de Jesus Cristo pelo planeta, para endossar a justeza de nossas proposições, no caso específico de combate a preconceitos e discriminações nas relações sociais, encontramos nos evangelhos várias passagens que ilustram tal atitude a partir de parábolas e declarações, supostamente proferidas por Jesus Cristo, vide a parábola do bom samaritano (Lucas 10:29~37) e a orientação de amarmos o nosso semelhante como a nós mesmos (Mateus 22:39).
Os lutadores sociais que, realmente, querem suplantar a idéia de racismo da face da Terra, transformem suas entidades de defesa de interesses de negros ou de qualquer dita “minoria” em organizações que busquem a universalização dos direitos fundamentais do ser humano para todos os explorados do planeta, cerrando fileiras, em todas as frentes contra este sistema que estimula a opressão do homem pelo próprio homem – o capitalismo.
FONTES E BIBLIOGRAFIA:
A Bíblia Sagrada - Antigo e Novo Testamento: Tradução em português por João Ferreira de Almeida (Versão Digital “Freeware” 5.0) – Abril/2004.
Enciclopédia Barsa da Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. RJ e SP - Edição de 1993: Volumes: 3 ( pg. 49, verbete Apartheid), 6 (pg. 306 e 307, verbete Direitos Humanos), 7 (pg. 66 a 72, verbete Escravidão), 13 (pg. 138 a 144, verbete Raça e 146 a 148, verbete Racismo).
Artigo: Somos ou não somos Racistas, da Jornalista Sílvia Capanema P. de Almeida – Revista História Viva (Edição nº 37, novembro/2006).
O Que É Racismo, de Joel Rufino dos Santos (Coleção Primeiros Passos).
Verger, Pierre, Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos; dos séculos XVIII a XIX. Trad. Tasso Gadzanis. 3. ed. São Paulo: Corrupio, 1987.
________, Pierre, O Mundo que o português criou: aspectos das relações sociais e de cultura do Brasil com Portugal e as colônias portuguesas. Rio de Janeiro: José Olympio (Documentos Brasileiros, 28), 1940.
________, Pierre, Interpretação do Brasil: aspectos da formação social brasileira como processo de amalgamento de raças e culturas. Traduzido por Olívio Montenegro. Rio de Janeiro: José Olympio (Documentos Brasileiros, 56), 1947
Fanon, Frantz, Pele Negra, Máscaras Brancas, 1952.
Memmi, Albert, Retrato do Colonizado Precedido Pelo Retrato do Colonizador, Editora Paz e Terra, 1967.
Diegues Junior, Manuel, Etnias e culturas no Brasil. Rio de Janeiro, MEC/Serviço de Documentação, 1956.
Fernandes, Florestan, A Integração do Negro na Sociedade de Classes, Vol. 1 e 2. São Paulo, Ática, 1978.
________, Florestan, Luta de raça e de classes. In: Revista Teoria e Debate. nº 2, São Paulo, março/1988
Pastore, José & Silva, Nelson do Valle. Mobilidade Social no Brasil. São Paulo, Makron Books, 2000.
Castells, Manuel. O Poder da Identidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000.
Dados e estatísticas PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) no Site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Dados e estatísticas no Site do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
ANEXO I:
ENTREVISTAS FEITAS COM FAMILIARES E COLEGAS DE TRABALHO SOBRE RACISMO:
- As entrevistas constam das qualificação do entrevistado respeitando a seguinte seqüência: nome, idade, sexo e naturalidade (estado);
- As perguntas feitas e apresentadas, sempre, na mesma ordem foram: (1) Você se considera racista ? e (2) Por quê?
1 – Heliete M. C. Amorim, 43 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Racista não, mas sou preconceituosa em relação a certas atitudes das pessoas de
qualquer que seja a raça, tipo homem com brinquinho
(2) Porque não tenho preconceito de cor ou raça.
2 – Edmilson da Silva, 27 anos, masculino, alagoana:
Resp.: (1) Às vezes me deparo com pensamentos racistas, mas procuro corrigir e combater, mas
não sou racista.
(2) Porque não faço distinção de pessoas por diferenças sociais, econômicas, culturais e de
cor.
3 – Igo Evilásio dos S. Peixoto, 27 anos, masculino, alagoana:
Resp.: (1) Não, racista não.
(2) Porque certos tipos de preconceito só se manifestam quando a condição financeira e o
status social do negro é baixo, então o preconceito mesmo é de nível social.
4 – Jorge Luiz Menezes da Silva, 46 anos, masculino, sergipana:
Resp.: (1) Não, eu num sô racista.
(2) Porque eu nunca tive nenhum problema com racismo, meu pai era um pôco racista i
dizia qui quando us filhu casassi, si fossi cum preto, num levassi us bacurinho para eli
dá a bença, i isto tevi uma certa influencia, namorei cum algumas mininas morenas i
na hora pensava na recomendação do pai, mais nunca deixei di namorá cum qualqué
minina independeti da cô e sai cum elas, tinha amigus pretos.
5 – Iêda Amorim, 33 anos, feminino, paulista:
Resp.: (1) Não, di jeito ninhum.
(2) Porque eu acho que nós devemos tratá, antis da cô, antes de sê homossexual, as
pessoas como seres humanos, para mim não tem diferença não.
6 – Maria Aparecida de Amorim, 63 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Hummmm, não.
(2) Porque eu acho qui us seres humanos são todos ... são... eu acho assim que o racismo
não divia ixistí porque us negros e os brancos todos são iguais, todos são filhos de um
mesmo pai, u negócio é que tem negro que tem vergonha de sua própria cô, ele divia é
di orgulhá da cô deles, eu num condenava um filho si casassi com uma negra, era meu
filho du mesmo jeito.
7 – Ijhiane Amorim, 28 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Não.
(2) Porque eu aceito todas as raças e... e... e opções sexuais das pessoas.
8 – Inglyds Stephannie Costa Amorim, 21 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Não.
(2) Porque não. Ih... Ih... Ih..., proque eu não tenho preconceito com as pessoas e não tem
lógica eu sendo uma pessoa negra ter racismo, i eu já sofri preconceito i sei então o qui
é a pessoa ser julgada só pur causa de sua cor, i eu tenho muito orgulho de minha cor.
9 – Cleide Aparecida, 38 anos, feminino, paulista:
Resp.: (1) Não.
(2) Porque eu não me considero racista, porque tem pessoas pretas qui são minhas
amigas í eu não tenho preconceito cum elas.
10 – Aline Fernandes, 25 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Não.
(2) Porque hã... hã... hã..., porque prá mim u qui vali é a personalidade da pessoa, não a
raça, u estatus social, só a personalidade conta, não o ixteriô, i mais nada a declará.
11 – Manoel Ferreira de Amorim, 63 anos, masculino, alagoana:
Resp.: (1)Não.
(2) Porque eu acredito que o racismo não dá competência para o homem, é pricisu amá a
Deus e au próximu, somente issu.
INTRODUÇÃO
Não dá para falar sobre a questão do negro no Brasil sem considerar o processo histórico de avanço da relação de exploração do homem pelo homem, desde os primórdios da organização social tribal até a sua forma mais aperfeiçoada no moderno (e hediondo) sistema capitalista.
Quando grupos humanos perceberam que ao invés de liquidar seus inimigos em guerras de expansão era mais lucrativo torná-los prisioneiros, condenando os derrotados ao trabalho forçado para a satisfação e deleite dos vencedores, surge a escravidão. Iniciando-se, a partir de então, um processo de dominação de um povo sobre outro, e daí nascem todas as conseqüências dessa relação antagônica e conflituosa, entre servos e senhores, que persegue e degrada a raça humana, desde séculos imemoriáveis até os nossos dias.
Foi nos séculos II e I a.C., em Roma, que a escravidão atingiu seu ponto máximo: é o período em que se faz maior o poderio dos latifundiários romanos. Com a derrocada do império romano e o advento da organização feudal, há também um descenso do escravagismo, com a conversão dos escravos em servos das glebas, resultado de um processo de aperfeiçoamento da exploração agrícola.
O período em que a escravidão volta a se intensificar, no final da Idade Média, coincide exatamente com a fase em que a acumulação primitiva de capital por parte da nobreza feudal exige o expansionismo geográfico dos reinados e, com isso, a descoberta de novos territórios no além-mar, que, ao invés de reconhecidos como novas nações do planeta, passarão a ser possessões da “civilização européia”. O tráfico de escravos atingirá, por essa época, proporções extraordinárias, iniciando-se um capítulo da história da instituição em que se destacarão os Estados ibéricos, a partir da explorações portuguesas do litoral africano. Em 1444, os portugueses começaram a adquirir diretamente escravos negros no Sudão. No século XVI, Lisboa e Sevilha atingem o máximo desenvolvimento como mercados de escravos.
No continente americano, os colonos exploram os indígenas como mão-de-obra servil, mas o índios se mostram indóceis e indomesticáveis, obrigando os dominadores europeus a trazerem os negros africanos para o serviço pesado nas novas terras a serem desbravadas.
O “civilizado” homem branco europeu barbarizou as novas terras por ele “descobertas”, vilipendiando seus recursos naturais e subjugando a população nativa, tudo em nome de um progresso que só a uns poucos beneficiava, ao custo de muito sangue, suor e lágrimas de seres humanos que, até então, viviam em perfeita harmonia com a natureza.
Se compararmos as histórias do período colonial de qualquer país do chamado terceiro mundo, veremos que, independentemente da matriz e dos protagonistas, o enredo é sempre o mesmo. Seja Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Holanda, quando o assunto era a expansão do reinado, falavam a mesma língua. O método era padrão: apossavam-se de terras longínquas, tornavam cativo o seu povo, colonizavam e usurpavam todas as suas riquezas. Era a pirataria e a pilhagem oficial e institucionalizada.
Para legitimarem as agruras cometidas contra seus semelhantes e, até, absolverem-se de culpa, era preciso justificarem seus atos com alguma teoria que atenuasse ou mesmo suplantasse o sentimento de culpa, e, considerando as circunstâncias da época, nada melhor para isso do que apresentar o argumento de que aqueles povos diferentes encontrados nas novas terras, denominados, pelos brancos, como índios e negros, não passavam de seres inferiores, raças selvagens e hostis à civilização, que, no máximo, poderiam servir para realizarem trabalhos braçais, mas para isso era necessário, primeiro, subjugá-los e submetê-los à nova situação, portanto a crueldade dos brancos era considerada apenas como reação necessária à selvageria e resistência destas raças a aceitarem, de bom grado, esta nova ordem, imposta pela civilização européia em franca evolução. O progresso da humanidade não poderia ser freado por pirraça de um bando de selvagens que pararam no tempo. É com esse conteúdo que a ideologia dominante de então, escraviza e condena ao embrutecimento os povos nativos das novas terras “descobertas” e colonizadas pelo “civilizado” homem branco.
Com o passar do tempo, a idéia de supremacia racial dos brancos sobre os outros, principalmente sobre negros e os índios, que, inclusive, já gozava da condescendência da Igreja, recebe importantes reforços por parte de uma incipiente comunidade científica orientada pela Teoria da Evolução das Espécies, defendida por Charles Darwin. O sistema capitalista, mesmo em sua fase infantil, sempre foi muito hábil em utilizar a religião e a ciência para afirmação e conformação de seu ideário, afinal de contas a sua ideologia já está impregnada por todos os recantos e meios, condicionando até o livre pensamento e a produção de idéias da intelectualidade em toda a história da humanidade.
Sendo a escravidão antecessora ao racismo, e esta imprescindível para o processo histórico de avanço capitalista, sistema esse que para sua perpetuação prescinde da exploração, da exclusão e da discriminação da maior parte da humanidade, os sociólogos da atualidade, comprometidos, de fato, com a superação deste sistema de opressão, não podem, e não devem, furtarem-se de uma análise crítica e sistemicamente contextualizada, em suas intervenções (declarações, discursos, artigos, livros, etc) junto à sociedade. Falar de racismo sem criticar severamente o capitalismo, sem apontar os caminhos para a construção de uma nova ordem econômica, social e política, servirá apenas para massagear o ego de uma intelectualidade vã e servil.
SER OU NÃO SER RACISTA, SERÁ ESTA MESMO A QUESTÃO ?
I - DOS ANTECEDENTES AOS DECENDENTES
É lamentável, porém compreensível que, em pleno século XXI, a humanidade ainda não tenha se livrado deste estigma, pois ao longo dos anos foi muita confusão feita na cabeça das pessoas, pelas classes dominantes e seus subalternos letrados, e não por acaso.
Quando a raça humana, única espécie racional no planeta, é irracionalmente dividida em sub-raças para justificar a superioridades de uns sobre outros e legitimar a escravidão, por interesses meramente mercantilistas, a classe dominante de então vai buscar explicações estapafúrdias para sustentar esta teoria nas crenças religiosas e em “confirmações” científicas.
No âmbito religioso vão buscar a sustentação desta tese numa passagem do Velho Testamento, mais precisamente no Livro de Gênesis em seu capítulo 9, quando Noé, que havia se embebedado com vinho, foi surpreendido nu em sua tenda, pelo filho Cão, que contou aos outros irmãos como tinha encontrado o pai e por isso foi amaldiçoado, pelo próprio pai, condenando para sempre a descendência deste filho, que o ultrajou, à servidão. Mas no relato bíblico, citado e reproduzido 'ipsi ilite ris” logo abaixo, uma questão fica clara, a servidão, independentemente de cor de pele, já existia. (...) 20 E começou Noé a ser lavrador da terra, e plantou uma vinha. 21 E bebeu do vinho, e embebedou-se; e descobriu-se no meio de sua tenda. 22 E viu Cão, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora. 23 Então tomaram Sem e Jafé uma capa, e puseram-na sobre ambos os seus ombros, e indo virados para trás, cobriram a nudez do seu pai, e os seus rostos estavam virados, de maneira que não viram a nudez do seu pai. 24 E despertou Noé do seu vinho, e soube o que seu filho menor lhe fizera. 25 E disse: Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos. (...)
Mais tarde a religião oficial, para manter os privilégios de sua casta dirigente, precisa se comprometer mais com os propósitos do poder dominante da civilização branca européia e não mede esforços para isso, declara peremptoriamente que escravos são desprovidos de alma, portanto não configurava pecado capturá-los, privá-los de liberdade, negociá-los como coisas ou animais, e até mesmo submetê-los a qualquer tipo de castigo e crueldade, para que fossem obedientes a seus proprietários.
A ciência, em perfeita sintonia com a ideologia dominante e nesse particular, em pleno acordo com o pensamento religioso, confirma que há diferenças biológicas que devem determinar a divisão dos seres humanos em raças e sub-raças, estando os brancos em condição de superioridade sobre negros e índios, e por isso estava satisfatoriamente justificado o fato deste últimos, sub-raças inferiores e selvagens, serem subjugados pela raça superior, branca e civilizada.
Apesar do aperfeiçoamento das relações sociais advindo dos processos de ruptura da ordem feudal para o porvir da sociedade democrático-burguesas, não se percebe nenhuma mudança no tratamento dispensado aos grupos humanos considerados diferentes e “minoritários”, pelo contrário, há uma exacerbação dos conflitos de interesses. A escravidão e as manifestações declaradamente racistas, não deixaram de existir nos Estados Unidos depois de 1776, ano de sua Declaração de Independência, nem na França, depois de 1789, com a derrubada do Estado Absolutista Monárquico e o advento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, concebida no turbilhão da Revolução Francesa.
Além de já estar bastante internalizada na cabeça da civilização a idéia da superioridade racial dos brancos sobre os outros (não-brancos), os incipientes Estados Democráticos não poderiam prescindir desta mão-de-obra, bem como da reprodução de capital que o comércio escravagista patrocinava.
Mesmo com tantos requintes e sutilezas ideológicas, a perpetuidade deste “status quo” social era insustentável, a manutenção deste tinha seus dias contados, apesar de longos e tenebrosos. Rebeliões de escravos e movimentos revoltosos de brancos que não concordavam com aquela situação insensata e injusta ameaçam romper a lógica do sistema e, como havia ensinado Maquiavel à nobreza, em sua obra O Príncipe (obra-prima de malícia para modelar a arte de governar pela força, intimidação e astúcia), “melhor seria ceder alguns anéis que perder os dedos”, a burguesia, classe dominante emergente, não titubeou em aplicar tão sábio ensinamento.
Cerca de uma década antes do ápice revolucionário burguês na França, representado pela tomada da Bastilha, já tomavam corpo na Europa os primeiros Movimentos Abolicionistas, com objetivo de eliminar definitivamente a escravidão da face do planeta. O trabalho pioneiro na criação de uma opinião abolicionista coube à Society of Friends (Sociedade dos Amigos), ou quacres, que, em 1774, fundaram na Pensylvania a primeira Associação contra o tráfico de escravos. Em 1787, com idênticos propósitos, funda-se na Inglaterra a Society for the Abolition of the Slave Trade (Associação para Abolição do Tráfico de Escravos) e sob a influência dos abolicionistas ingleses, funda-se, na França, a Societé dos Amis de Noirs (Sociedade dos Amigos dos Negros).
Tem-se então o início de um processo de arrefecimento do tráfico de escravos, que só assume uma postura mais arrojada e determinada, no sentido de banir da face da Terra esta tão deplorável e desumana atividade, alguns anos depois da Revolução Francesa, quando uma revolta de escravos, fomentada pelos abolicionistas, leva à independência o Haiti, sob a liderança dos escravos negros. Este fato, de enorme repercussão mundial, influência a Convenção francesa, que a 04 de novembro de 1794 proclama a abolição da escravidão em todas as colônias da França e proíbe, também, o tráfico de escravos, inclusive, por navios britânicos, era o prenúncio do ocaso da escravidão, mas seria, também, o fim da existência de um de seus piores subprodutos: o racismo? Com o raiar do novo dia, verificou-se que não, o racismo continuava vívido no seio da humanidade.
O fim da escravidão encerrou um ciclo de exploração e crueldade imprimida principalmente contra os negros, porém não eliminou a intolerância gerada pelos séculos a fio de convivência da humanidade com esta espoliação macabra, que deixou marcas profundas na carne tanto dos espoliados, como dos espoliadores. As relações sociais destes dois grupos estariam fadadas a serem eternamente conflituosas? Bem, infelizmente, até agora a resposta à esta questão é afirmativa, pois o sistema capitalista, hipócrita por natureza, não tem nenhum interesse em erradicar a idéia do racismo da cabeça das pessoas, afinal de contas este sistema, prescinde da divisão da humanidade, quando mais dividida mais fácil de aliená-la e mantê-la sob domínio, garantindo assim a perpetuação
deste sistema desumano.
Um exemplo bem recente e amplamente conhecido da situação que expomos no parágrafo anterior é o caso do Apartheid – uma política de segregação racial – implantado na África do Sul, em pleno século XX, pela Inglaterra, um nação rica e civilizada, que no século anterior constituiu-se em polícia do mundo contra o tráfico negreiro, colocando sua marinha à controlar e fiscalizar os navios que transitavam da África para a Europa; ameaçando cortar relações comerciais com países que ainda se valiam do tráfico de escravos para incrementarem suas economias, inclusive, exigindo do Brasil, em 1831, a assinatura de uma lei que proibisse o tráfico de escravos para poder continuar comprando nosso açúcar.
Era o ano de 1948, a recém criada Organização das Nações Unidas, após tornar mundial o princípio de reprovação da escravidão, proclamava, naquele ano, o art. 4º da Declaração Universal dos Direitos do Homem ao mesmo tempo em que na África do Sul, os ingleses implantavam o Apartheid, um conjunto de políticas de Estado que suprimia quase todos os direitos civis da maioria negra através de uma centena de leis, dentre as quais destacavam-se: a Lei dos Casamentos Mistos, que interditava o casamento entre brancos e membros de outas raças; a Lei da Imoralidade que tornava delituosa as relações sexuais entre brancos e não brancos e a lei sobre as regiões de reagrupamento que classificava a população em três raças – brancos, indígena (bantos) e mestiça – e estipulava locais distintos de residências para cada um desses grupos. Ao negro era proibido o livre trânsito no território nacional e vetado o direito de possuir terras, existiam serviços públicos de transporte, saúde e educação separados e diferenciados para negros e brancos. Essa situação esdrúxula e em dissonância com os preceitos de modernidade se manteve até 1984, quando medidas de flexibilização do regime segregacionista começaram a ser gradualmente colocadas em prática e, em 1992, num plebiscito, que gerou muita controvérsia no país, os eleitores brancos aprovaram o prosseguimento da política de distensão racial empreendida pelo, então, presidente, Frederik de Klerk, chegando este estágio ao seu apogeu com a eleição de um negro para presidência do país, Nelson Mandela, após passar 27 anos preso pelo regime segregacionista, só que o país devolvido para os negros estava arrasado pela pilhagem de suas riquezas naturais ao longo das quatro décadas que o ingleses dominaram.
Nos Estados Unidos a situação não era muito diferente, um negro era obrigado a ceder seu assento no ônibus se um branco o requisitasse, e na década de 50 uma negra negou-se a a fazer a “cortesia”, sendo presa e processada, foi Rosa Parks. Sua prisão foi o estopim para explosão de um movimento de desobediência civil, iniciado com o boicote aos ônibus de Montegomery (cidade do estado do Alabama) liderado pelo pastor evangélico Martin Luther King, que também foi preso durante a campanha, mas o movimento acabou por flexibilizar as leis racistas norte-americanas, só encerrando-se com a decisão da Suprema Corte Americana em tornar ilegal a segregação nos ônibus locais. O líder foi assassinado, uma década depois, mas seu exemplo de abnegação e disposição em lutar pelo que é bom e pelo que é certo nunca será esquecido. Nessa mesma época outro líder negro, conhecido como Malcom X, adepto de pensamentos e métodos bem divergentes do que preconizava o pacifista King, também abalava a estrutura social dos Estados Unidos na luta contra o racismo.
II - NO BRASIL NÃO TEM DISSO NÃO ... SERÁ MESMO ?
Para nos situarmos sobre a questão do comportamento da população brasileira acerca do racismo, como ele é entendido pela maioria das pessoas, precisamos conhecer um pouco da história de como o processo escravagista de desenvolveu em nossa “Terra Brasilis”, com a indiscriminada e completa dispersão de nações negras africanas inteiras; a disposição das mais diversas origens tribais pelas várias regiões do Brasil e quais foram suas influências na genealogia da população brasileira.
Se os índios tivessem aceitado, docilmente, tornarem-se escravos em suas próprias terras, certamente os portugueses não tinham trazido o negro africano para sua mais nova e rica colônia, mas como tal situação não se configurou, a importação de escravos negros para o Brasil era um mal necessário.
Parece que o primeiro negro a aportar no Brasil veio na armada de Martin Afonso. Negros e mulatos, uns ainda escravos, outros já forros, acompanharam Tomé de Souza na edificação da cidade de Salvador, em 1549. Eram os precursores de milhões de negros africanos que, por dois séculos e meio, seriam trazidos para o Brasil.
Na época do descobrimento, Portugal já estava na posse dos arquipélagos Madeira e do Cabo Verde, do litoral da Guiné, das Ilhas São Tomé e Príncipe, da embocadura do Zaire e de Moçambique que havia plantado uma fortaleza na Costa do Ouro, hoje Gana. No século XVI, começaria a conquista de Angola. De todos estes pontos vieram escravos para o Brasil.
As feitorias estabelecidas nas ilhas desertas do Madeira e do Cabo Verde detinham o monopólio do comércio de escravos que os negreiros iam buscar nos 'rios de Guiné', uma extensa região cortada por rios e canais navegáveis, muito maior que a atual República do Guiné-Bissau, afinal reduzida pela crescente pressão dos franceses ao norte, no Senegal, e dos ingleses ao sul, em Serra Leoa. Os entrepostos ficavam no rio de Cacheu e na ilha de Bissau, cercado de paliçadas e guarnecidos por artilharia, a cargo de 'lançados', brancos e mulatos corajosos que se incumbiam de reunir escravos e mercadorias em ponto onde os pudessem recolher as embarcações portuguesas. Habitavam os 'rios de Guiné' tribos de biafadas, papéis, manjacos, brames, balantas, felupes, baiotes, banhuns, nalus e bijagós, que, se chegaram até o Brasil, nem mesmo o nome deixaram de lembrança, assim como fulas e mandingas. Estes últimos, alcançados de algum modo pela penetração religiosa, política e militar do Islã em terras sudanesas, estavam em pleno processo histórico de criação de Estados e nacionalidades, interrompido violentamente pela escravidão e, mais tarde, pela ocupação militar de seu território pelas potências coloniais da Europa. Uns e outros cobriam, com milhares de povoados, a faixa meridional do Sudão, virtualmente desde o rio Senegal até quase o lago Tchad.
Os fulas (Fullah, Fellata, Foulbé, Peul) e os mandingas (Mali, Mandinka, Mnadê), vindos da Guiné Portuguesa, foram desembarcados em todo o nordeste, para a lavoura e as usinas de açúcar; e, a partir da fundação da cidade de Belém, em 1616, também na Amazônia. Uma companhia privilegiada, a de Cacheu, fazia esse transporte. Esses negros, genericamente chamados 'peças de Guiné', logo foram absorvidos na incipiente população brasileira. Os fulas singularizavam-se pela cor opaca, tendendo para o pálido, e o gentílico se tornou em pouco tempo um qualificativo comum para todo negro com a mesma compleição (fulo, negro fulo, negrinha fula) e, mais tarde, por extensão, passou a aplicar-se à ausência momentânea de cor nas faces das pessoas, negros ou brancos, como se vê na expressão “fulo de raiva”. Os mandingas que não haviam perdido de todo as antigas crenças pagãs ao contato com o Islã, pois na África negra a adesão ao maometismo foi um fenômeno essencialmente de cúpula, deram à língua portuguesa, com a sua designação tribal, um novo sinônimo para encantações e artes mágicas. O tráfico procedente da Guiné foi, entretanto, reduzido, sem termo de comparação com o das outras áreas.
Mal se firmava o tráfico na Guiné, contra o qual até a geografia do pais depunha, e já os portugueses se assenhoravam, pela força das armas, de novas fontes de braços na África. Em 1576 Paulo Dias de Novais fundava Luanda. O negro de Angola passou a concorrer com os de Guiné em todos os portos principais de escravos: Rio de Janeiro, Bahia, Recife e São Luiz. Enquanto duraram as lutas por avassalar o régulo Ngola e os seus sucessores, Inácio Airi e a rainha Jinga (Ana de Souza), o comércio de escravos se fez em pequena escala. Em 1641, os holandeses, já senhores de Pernambuco, tomaram a nova colônia portuguesa de Angola e de lá trouxeram negros, em grande número, para Recife, onde os vendiam para toda a zona sob domínio batavo, do Ceará a Alagoas. Cabia ao Brasil, no sistema administrativo colonial, a responsabilidade pelo governo de Angola: os negreiros emprestaram o dinheiro necessário para uma expedição armada contra os holandeses e, sete anos mais tarde, em 1648, Salvador de Sá ganhava a batalha da restauração. Assim povos negros de língua banto chegaram ao Brasil, quase ininterruptamente, até o fim do tráfico, em 1851, eram muxicongos (Mushicongos), banguelas (Guanguelas), rebolos (Libollos) e caçanjes de Angola, cambindas (Cabindas) da colônia vizinha do Congo. Com base ou escala em Luanda, os 'tumbeiros' contornavam a região meridional do continente para alcançar Moçambique, ou seja, a Contra-Costa, de onde traziam, para vender no Brasil, negros macuas e anjicos.
No século XVIII inicia-se o tráfico com a Costa da Mina, vale dizer, o litoral setentrional do golfo de Guiné. Dos 'rios de Guiné' para o sul o litoral africano estava sub-dividido em várias 'costas': a da Guiné, a da Malagueta ou dos Grãos, a do Marfim, a do Ouro e a dos Escravos. No século XVIII, a Costa da Mina englobava as três últimas 'costas', numa extensão total de 426 léguas, do cabo de Palma ao de López, no delta do Ogooué, hoje Gabão. Efetivamente, o comércio negreiro com a Costa da Mina, tem início em 1699, sendo autorizadas a realizar resgate de escravos naquela área 24 embarcações, registradas no porto da Bahia, cada qual levavam mercadorias, tais como tabaco, açúcar e aguardente, em quantidade equivalente a 500 negros.
Os negros desse região costumavam subir a bordo dos navios para fazer o embarque de ouro em pó, que traziam ao pescoço em pequeninos barris (aquis), a experiência com o ouro os indicava e predispunha, no consenso geral, para o trabalho no garimpo de ouro e diamantes em Minas Gerais. O tráfico encaminhou para o Brasil negros das mais variadas tribos, como fântis e achantis (Ashantis), chamados minas no país; txis (tshis) e gás, das vizinhanças do castelo da Mina; euês e fons, conhecidos no Brasil por uma de suas designações menores, jejes (djejes); iorubas, que os brasileiros preferem, como os franceses, dizer nagôs; tapas, haúças, canures (Kanuris), fulas, mandingas e grunces (Gurunsis). Estes negros, levados para a Bahia, eram daí transferidos, pelo interior, para as minas onde se vendiam a bom preço. As condições de transporte eram as melhores de todo o período do tráfico: enquanto os 'tumbeiros' procedentes de Angola 'perdiam', em média, 10% da carga humana, os que vinham da Costa da Mina registravam um 'prejuízo' de apenas 5%, Oliveira Martins, um historiador português nos dá uma vívida idéia dessa situação desumana à que eram submetidos nossos semelhantes negros, em nome da ganância e da ambição de homens brancos “civilizados” e do lucro para o avanço do sistema capitalista : (...)“Havia lá, no seio do navio balouçado pelo mar, lutas ferozes, uivos de cólera e desespero. Os que a sorte favorecia nesse ondear de carne viva e negra, aferravam-se à luz e olhavam a estreita nesga do céu. Na obscuridade do antro, os infelizes, promiscuamente arrumados a montes, ou caiam inânimes num torpor letal, ou mordiam-se, desesperados e cheios de fúrias. Estrangulavam-se: a um safam-lhe do ventre as entranhas, a outro quebravam-se-lhe os membros nos choques dessas obscuras batalhas. (...) Quando o navio chegava ao porto de destino – uma praia deserta e afastada – o carregamento desembarcava; e à luz clara do sol dos trópicos aparecia uma coluna de esqueletos cheios de pústulas, com o ventre protuberante, as rótulas chagadas, a pele rasgada, comidos de bichos, com o ar parvo e esgazeado dos idiotas. Muitos não se tinham de pé; tropeçavam, caiam e eram levados aos ombros, por outros, como fardos... O capitão, voltando à bordo, a limpar o porão, achava os restos, a quebra da carga que trouxera: havia por vezes cinqüenta e mais cadáveres sobre quatrocentos escravos transportados!” (...) (citado por José Capela. Escravatura: a empresa de saque – O Abolicionismo (1810~1875). Porto, Edições Apontamento, 1974, pg. 91).
Dada a pressuposição da experiência em mineração, o negro da Costa da Mina custava mais caro que o negro de Angola, simples braço para trabalhos grosseiros. Em pouco tempo este primeiros se constituíram numa elite da massa escrava, em especial do ponto de vista religioso. Tapas, nagôs e haúças, muçulmanos (malês), comandaram os negros da Bahia em sucessivas insurreições entre 1806 e 1835: uma projeção da Jihad Islâmica no Novo Mundo. Xangôs, candomblés, macumbas, todos os cultos negros do Brasil obedecem, em linhas gerais, ao modelo de cultos oferecidos por nagôs e jejes. Muito procurados nos primeiros anos da mineração, por volta de 1750 apenas mil deles eram adquiridos anualmente em Minas Gerais, à medida que a exploração do ouro e do diamante passava das mãos dos particulares para o governo da metrópole. Concentrados em maior número na Bahia, foram subseqüentemente vendidos para serviços domésticos urbanos no Rio de Janeiro, no Recife e no Maranhão.
A ocupação efetiva do território brasileiro alterou substancialmente esta disposição do elemento escravo. Desde o começo do tráfico de escravos para o Brasil, os portos de desembarque foram centros de distribuição de negros: o de São Luiz abastecia a Amazônia, o do Recife o nordeste, a Bahia servia a Minas Gerais; o Rio de Janeiro, a Minas e São Paulo. Desses destinos secundários o negro era vendido para mercados menores do interior, como Goiás e Rio Grande do Sul. A sucessiva mudança do interesse econômico principal, do açúcar para o ouro, do ouro para o café impôs demorado e variado contato lingüístico, religioso e sexual entre negros das mais diversa nações africanas.
A decadência da exploração do açúcar, com a inauguração do ciclo do ouro, deixou braços ociosos no litoral que foram absorvidos pelas minas, que insaciável, exigia a intensificação do comércio com Angola e impuseram a navegação para Costa da Mina. Em breve, porém, a exploração do ouro e dos diamantes, antes da iniciativa particular, passou a fazer-se sob o controle direto do governo da metrópole, a princípio com os contratos, em seguida com a Real Extração. O negro já parcialmente desviado das minas para a agricultura e a pecuária, foi então utilizado na cultura do café e, durante a guerra civil americana, do algodão. Em conseqüência, adotou a língua portuguesa, a religião cristã, os costumes nacionais e se destribalizou por completo.
Durante a escravidão distinguiam-se o negro 'boçal' ou novo, recém chegado da África, ainda sem conhecimento dos costumes do país; o negro 'ladino', africano, mas já com experiência da sociedade brasileira, e o negro 'crioulo', nascido e criado no Brasil. Uns e outros foram compelidos a ajustarem-se às condições vigentes no Novo Mundo. A Igreja católica, oficial, apenas batizava o negro novo antes de seguir para o interior, mas durante algum tempo tentou orientar para a religião cristã, nas cidades, primeiro os ladinos, em seguida os crioulos e os mulatos, favorecendo a criação de irmandades. O Estado recrutou negros e pardos para formações militares subalternas, as ordenanças, depois chamados henriques, do nome do chefe de uma delas, que se destacou na guerra contra os holandeses. O trabalho produtivo na cana-de-açúcar, na moenda do engenho, no tabaco, no garimpo do ouro e dos diamantes, no algodão, no café, na pesca da baleia, em artes e ofícios diversos e na prestação de serviços foi, porém, o fator mais constante de assimilação, impondo a língua, a alimentação, o traje, os hábitos de trabalho e de repouso, as relações familiares, a etiqueta e a disciplina. Esta vigorosa compulsão social, comparável, segundo a imagem corrente, a um rolo compressor, produziu, por um lado, negros forros e libertos (livres) e, por outro, três tipos de trabalhadores escravos, o negro de campo, o negro de ofício e o negro doméstico. A adaptação forçada do negro preparou o caminho para sua ascensão social, que se fez, penosamente, com o estabelecimento de relações primárias, de confiança e de respeito mútuos, entre senhor e escravo, e, por fim, com a alienação e o trabalho deste último.
De muitas maneiras o negro conquistava sua liberdade, uma liberdade precária, constantemente ameaçada pela polícia e pelo arbítrio dos brancos. Havia o negro forro, beneficiado diretamente pelo senhor, em geral em testamento, e o negro liberto, que comprava a sua liberdade ou a obtinha em virtude da lei ou de promessa do governo em troca de serviços especiais. A alforria contemplava de preferência velhos, doentes e inabilitados. Se de muitos forros se pode dizer que foram produto da bondade e do reconhecimento, a maioria deles, certamente, serviu à conveniência do senhor, deste modo eximia-se de alimentá-los e vesti-los, em especial sempre que a exploração econômica colocava em perigo a sua estabilidade financeira. O escravo, por si mesmo, podia obter a alforria, juntando soma equivalente ao valor pelo qual fora adquirido e propondo a transação ao seu senhor. Do plano individual, este esforço pela liberdade passou para o plano coletivo, com a criação das juntas de alforria em todas as partes, funcionavam como verdadeiras irmandades, onde o dinheiro angariado por todos servia, sucessivamente, á libertação de cada qual de seus componentes.
Os ventos dos movimentos abolicionistas vindos da Europa, começaram a refletir no Brasil e em 1851 o tráfico passa a ser proibido, apesar da lei ter sido assinada já em 1831, por exigência comercial da Inglaterra. Em 1871 entra em vigor a Lei do Ventre-Livre, passando a lei civil a proteger os negros nascidos no Brasil e em 1885, a Lei dos Sexagenários é assinada, beneficiando os escravos idosos.
A grande maioria dos escravos, porém, não teve a ajuda de circunstâncias tão 'propícias'. O negro de campo foi o braço agrícola. Mão-de-obra desqualificada, mourejou no cabo da enxada e nas roças de tabaco, no tempo da colônia e nas plantações de café e de algodão no império. Esteve mais do que os outros, sujeitos à discrição do senhor e era este quem dispunha de sua vestimenta, da sua alimentação, da sua moradia, do seu tempo e mesmo das suas relações sexuais. Os castigos mais atrozes e aviltantes, tronco, vira-mundo, cepo, libambo, peia, gonilha e as brutalidades mais terríveis, pontapés no ventre de escravas gestantes, olhos vazados e dentes quebrados a martelo, emparedamentos em vida, mutilações e aleijões, foram o quinhão do negro de campo, em especial enquanto o tráfico não sofreu limitações internacionais e, em conseqüência, a 'mercadoria humana' era abundante e barata. Em sete a dez anos, estafado pelo trabalho de sol a sol, 14 hora por dia, o negro de campo se transformava num trapo humano. Enquanto dispunha de alguma energia, organizava-se em quilombos, provia levantes locais ou evadiam-se em massa das fazendas. O recenseamento de 1872, o último do império, acusou menos de um milhão de lavradores entre a população escrava. Sobre os seus ombros o negro de campo sustentou todo o comércio exterior do Brasil.
Com o negro de campo coexistiu o negro de ofício, que ocupava um escalão ligeiramente superior. O negro 'de partes' ou oficial começou a surgir ainda no século XVI, nas usinas de açúcar, especializando-se na operação da moenda, da caldeira, da casa de purgar e na organização da caixaria do engenho. Mais tarde haverá negros barbeiros, ferreiros, pedreiros, marceneiros, seleiros, canoeiros e mulheres costureiras. No litoral, em 1837, um escravo qualquer custava 400$000 (quatrocentos mil réis), enquanto o preço de um escravo 'oficial' variava de 600$000 (seiscentos mil réis) a 1000$000 (um conto de réis). Por essa época já havia, no Rio de Janeiro, bons profissionais negros, alfaiates, capazes de cortar casacas, chapeleiras que competiam com as francesas, serralheiros, ourives, sapateiros, etc. Esses negros tanto serviam ao senhor como aos seus vizinhos e, às vezes, a toda a comunidade.
Havia ainda o negro doméstico, que era integrado à criadagem do senhor. As mulheres negras mais bonitas e agradáveis e os negros nais sociáveis, inteligentes ou atenciosos, e posteriormente os filhos destes, foram retirados do trabalho sempre que a flutuação do mercado internacional impuseram a diminuição da produção. Pajem, moço de recados, capanga, criado, quando homem e babá, mucama, cozinheira, doceira, quando mulher, o negro doméstico proliferou nas cidades, estabelecendo com a família do senhor relações amistosas, que se traduziram em 'crias de casa', 'afilhados', 'homens de confiança'. Todos serviam a ostentação de seu se nhor como sinal de riqueza e poder.
Os excedentes do negro doméstico, produto da ociosidade parcial das cidades, geraram dois subtipos: o negro de aluguel e o negro de ganho, o primeiro preparado deliberadamente pelo senhor para, servindo a outrem, lhe trazer ganho, o segundo pagando ao senhor certa soma por dia em troca da sua liberdade de ação.
Desde a entrada do regime da Real Extração nas minas, escravos passaram a serem alugados. O crescimento numérico do negro doméstico forçou o senhor a recorrer a esse expediente, que lhe economizava despesas e, ainda, garantia algum lucro. Em parte, o negro de aluguel teve colocação em atividades de tipo industrial, em especial na fabricação de tecidos, mas também trabalhava em metais, madeira, edificações, couros e peles, tinturaria, vestuário, chapéus, calçados, ou como canteiros, calceteiros, mineiros e cavouqueiros, perfazendo, em 1872, cerca de trinta mil escravos nessas atividades. O restante, em maior número no Rio de Janeiro e em São Paulo, foram absorvidos, no século XIX, pelo serviço doméstico alheio, de estrangeiros e burgueses, nas cidades.
Carregadores, moços de recados, condutores de cadeiras de arruar, vendedores ambulantes, eram os negros de ganho, que se incumbiam da movimentação de fardos, cargas e encomendas e da locomoção pública nas cidades, enfim, prestavam serviços de toda a natureza em troca de alguns vinténs. No Rio de Janeiro traziam cestas e varas; na Bahia e no Recife, balaios e rodilhas. Se, em grupo, transportavam volumes pesados e cantavam para aliviar a penúria do trabalho. Uma dessas canções foi recolhida na Bahia: “Ê, cuê / Ganhadô / Ganha dinhêro / pra seu sinhô”. O negro de ganho estabelecia-se e vivia por conta própria, às vezes sem fazer refeições ou dormir na casa do senhor, mas com a obrigação de pagar-lhe uma pataca, o equivalente a 360 réis, por dia. Esses escravos desfrutavam assim, de quase completa liberdade de movimentos, de que usaram para, em outras bases, reconstruir a vida.
Mais dos que as leis, as condições sociais e econômicas, ajudadas pelo esforço individual e coletivo dos negros, propiciaram e preparam a progressiva elevação da sua condição de escravo à cidadão. O ritmo crescente desse processo explica porque o 13 de maio beneficiou apenas 750 mil escravos, cerca da metade dos recenseados dezesseis anos antes, em 1872, e menos de 10% do total da população negra, na época.
Paralelamente, o negro vinha influenciando os costumes brasileiros. As estórias do Quibungo deleitaram e aterrorizaram a meninada; os cultos de origem africana, já com a orientação jeje-nagô, floresceram nos centros principais, conquistando adeptos em todas as classes; a capoeira e a pernada, que antes haviam defendido a liberdade de negros e mulatos, se acrescentaram às formas nacionais de defesa e ataque; o batuque de Angola invadiu os terreiros das fazendas e daí fez o caminho para as cidades, sob a forma de lundu, baiano, coco, samba; os modos de fazer da África encontraram lugar na cozinha, com a introdução do vatapá, do caruru, do arroz de cuxá; o traje de baiana substituiu os antigos, impostos pelo senhor. O negro tomou conta da rua. Sendo a maioria da população ativa, participa de todas as atividades urbanas, procissões, festas tradicionais, batizados, casamentos, enterros, eleições. O cortejo do rei do Congo serviram de modelo a maracatus e afoxés. O frevo, produto remoto da capoeira, a folia de São Benedito, inspirada na do Divino, e a escola de samba, que valorizou elementos de ternos e rancho de Reis, fizeram o seu aparecimento. O bumba-meu-boi e a dança dos bastões, folguedos da Europa, encontraram tal receptividade entre os negros, que ao primeiro foram incorporados personagens e à segunda rituais que os lembram. Tão brasileiro se sentia o negro, que se engajou na aventura das bandeiras; que em 1798 participou de uma revolta na Bahia por 'um governo de igualdade'; que adere à exaltação do indígena como símbolo da nacionalidade, durante a revolução da independência e os santificou nos seus cultos, na figura do caboclos, ou o festejou nos seus folguedos: cucumbis, cabocolinhos e caipós; que, por palavras e atos, fez a campanha abolicionista, com Luís Gama, Rebouças, José do Patrocínio.
Ao se instalar a república, o negro já era, em toda a força do termo, um brasileiro, integrado na vida, na paisagem cultural e humana do país, credor de contribuições numerosas à formação de nossa nacionalidade. Porém, é lamentável constatar, que mais de um século depois, o negro ainda não tenha ocupado o espaço merecido e que deveria lhe competir, de forma justa, igualitária e, verdadeiramente, democrática.
Infelizmente, abstraindo-se a hipocrisia reinante, para maioria da população branca, três séculos de escravidão, muito sofrimento, muito suor e sangue derramado pelo negro na construção do que se conhece hoje por Brasil, não foram suficientes para alça-los à condição, não só de figurantes, mas, de coadjuvantes e atores principais no cenário político-social da nação brasileira, nem como partícipe na condução dos destinos deste país.
Somente alguns poucos, pouquíssimos mesmo, têm alcançado um lugar ao sol, sendo apresentados como símbolos vivos da igualdade de oportunidades oferecidas, indiscriminadamente, a todos, num país miscigenado, servindo apenas à mistificação de uma pseudo-democracia racial brasileira.
III – CIENTIFICAMENTE EXPLICANDO OU SIMPLESMENTE COMPLICANDO ?
QUEM NASCEU PRIMEIRO A RAÇA OU RACISMO ?
A ciência do homem branco esclarece (ou melhor, obscurece) a questão.
O vocábulo raça nos remete a três conceituações distintas: (1) a do sistematizador: raças são subdivisões ou subgrupos numa mesma espécie; (2) a do antropologista moderno e a do geneticista: “populações mendelianas que diferem na freqüência de genes ou estruturas cromossomiais”; (3) a do evolucionista: são espécies incipientes e que resultam de um processo gradual de diversificação das populações naturais, em respostas às diferentes condições ambientais encontradas nos territórios por elas ocupados. As três definições não são mutuamente exclusivas; muito pelo contrário, completam-se harmonicamente.
A origem do termo raça, assim como a das demais categorias da sistemática biológica – espécie, gênero, família, etc. –, resultou de uma necessidade prática do homem em classificar e sistematizar a extrema variedade e descontinuidade do mundo vivo. Em 1738, Lineu, o grande sistemata sueco, classificou todos os homens em uma única espécie – Homo Sapiens – e subdividiu a espécie única em quatro grupos ou 'variedades'. O vocábulo raça, no entanto, só vai aparecer, pela primeira vez, no ano de 1775, na literatura biológica com o sentido atual, isto é, para designar grupamentos populacionais humanos diferentes, empregado por Blumenbach, o fundador da antropologia, ainda que tenha sido utilizado antes por Buffon, mas com outra acepção.
Os termos subespécie, variedade local, raça geográfica ou simplesmente raça passaram a ser empregados indistintamente como sinônimos. Há, contudo, um emprego preferencial por raça quando se trata do ser humano, reservando-se as demais designações para animais e plantas. Em função das controvérsias surgidas em torno do 'problema racial' daí decorrente, houve por parte dos antropologistas, uma proposta para seu abandono e substituição por uma expressão nova, não comprometida: grupo étnico. Porém esta intenção não se efetiva, pois não se mostra uma tarefa fácil combater um conceito construído para atender um interesse implícito na ideologia dominante, apenas substituindo um termo por outro. Divulgar e questionar os fatos biológicos elementares que fundamentaram o conceito científico de raça, se mostrará um meio bem mais eficiente e eficaz para combater o 'conceito racial' e, por conseqüência, os pré-conceitos que daí decorrem.
Como todo conceito científico, o de raça apresentou uma evolução. Neste processo histórico, podem-se distinguir duas fases: a fase primitiva, da antropologia clássica, que se estende de 1775 até aproximadamente 1940; a fase moderna, que se fundamenta nos princípios da genética das populações e nos da teoria sintética da evolução, iniciada em 1940 e estendendo-se até os nossos dias.
Para a morfologia e antropologia clássica tal conceito era essencialmente tipológico. As raças eram descritas em termos de 'médias' estatísticas para os caracteres que diferiam entre si e a reunião dos sistemas de média constituíam um 'padrão racial', com o qual os indivíduos eram ulteriormente comparados para sua classificação final.
Esse conceito primitivo encontrava sua fundamentação científica, logicamente, nas teorias biológicas pré-mendelianas que então estavam em vigor, ressaltando, entre outras, a 'teoria da herança pelo sangue', então unanimemente admitida, por autoridades de impressionante prestígio, como Charles Darwin.
Todas as dificuldades e controvérsias relativas ao problema racial decorrem deste fato, como uma conseqüência natural.
A 'teoria da herança pelo sangue' admitia (1) que os caracteres exibidos por um indivíduo fossem herdado pelo 'sangue' e transmitidos 'em bloco', conjuntamente, aos descendentes; (2) que estes representavam uma mistura dos caracteres dos genitores, exibindo um aspecto rigorosamente intermediário entre eles; (3) que, em conseqüência, em cada geração, por efeito da mistura admitida no item anterior, houvesse uma perda de 50% da variedade inicial existente nos genitores; (4) por fim, que, a cabo de muitas gerações, as populações tenderiam a uma homogeneização ou uniformidade, convergindo para uma média ideal das populações originalmente diversificadas.
Aí se encontra, implicitamente, o fundamento pseudocientífico da noção de 'raça pura', numa seqüência lógica, pois admitia-se que, primitivamente, deveriam ter existido 'raças puras' que exibissem característica bem definidas e absolutamente uniformes. A miscigenação ou encruzamento de seus representantes teria originado as populações atuais, que exibem, em diferentes proporções, misturas das características originais. O último e lógico passo, nesta série, foi associar, às características físicas e anatômicas, características psicológicas e culturais, para que se corporificasse a monstruosa concepção de 'raças superiores'.
Acrescentando-se que na antropologia clássica, essencialmente tipológica, a classificação racial se estendia até o individuo, isoladamente, é fácil concluir o motivo das dissenções e eternas controvérsias raciais, acrescida da incapacidade de muitos em distinguir o conceito biológico de raça do de comunidade nacional, lingüística ou religiosa.
Em tese, todas as dificuldades deveriam desaparecer no início do século XX, quando será suficientemente conhecido o conceito moderno de raça, que demonstra: (1º) que não existem 'raças puras', pois o seu fundamento biológico, a 'teoria da herança pelo sangue', não é mais aceito; (2º) que não há raças superiores, visto que é falsa e anticientífica a noção de que as características físicas esteja indissoluvelmente vinculadas, na herança, às características culturais ou psicológicas; (3º) que o problema da discriminação racial em função dos itens anteriores é insustentável; (4º) que as diferenças raciais são de ordem predominantemente quantitativa e não qualitativa, como supunham os antigos antropologistas; (5º) por fim, que, modernamente, a unidade nas classificações, raciais é representada pelos genes e pela população e não por complexos de caracteres fenotípicos e por indivíduos isolados.
O conceito moderno e genético de raça, assentado na redescoberta das leis de Mendel, em 1900, lançou por terra a velha 'teoria da herança pelo sangue' e, como decorrência natural, o primitivo conceito tipológico de raça a ela fortemente vinculado. Foram necessários, no entanto, mais de 40 anos para que o conceito atual emergisse definitivamente estruturado, e isto só se tornou possível quando surgiu um novo ramo da genética – o das populações, graças às contribuições de Theodosius Dobjanski e Sewall Wright, nos Estados Unidos, e Fisher e Haldane, na Inglaterra.
As leis de Mendel e o teorema básico da genética de populações – teorema de Hardy-Weinberg – vieram demonstrar que: (1) a herança não se opera pelo sangue e sim através dos genes ou unidades hereditárias; (2) que a herança é particulada, isto é, que os genes são entidades concretas, imiscíveis, que mantêm a sua individualidade e que não se misturam como se fossem duas substâncias solúveis entre si, como água e álcool; (3) que o que se herda são genes e não caracteres (ou fenótipos); (4) que os diferentes genes que condicionam caracteres não são herdados em bloco; muito pelo contrário, eles se disjungem e recombinam ao acaso, permitindo todas as combinações teoricamente possíveis; (5) que cada indivíduo se reproduz sexuadamente por fertilização cruzada e possui uma carga genética única e irrepetível; (6) que, em função das premissas anteriores, a variabilidade genética dos indivíduos e das populações se mantém indefinidamente sem que ocorra a pretensa homogeneização genética das populações; (7) por fim, que se torna cientificamente inadmissível falar-se em 'médias' de constituições genéticas ou genótipos.
Em decorrência deste fatos, criou-se o conceito moderno, genético de raça. A principal contribuição da genética na inflexão conceitual consistiu em demonstrar que as classificações raciais deveriam fundamentar-se na freqüência relativa de genes, tendo como unidade operacional a população e não os indivíduos isoladamente.
Ainda, e significativamente, as raças passaram a ser interpretadas como entidades dinâmicas, resultantes de uma evolução progressiva, gradual e ininterruptas, que traduz um incessante movimento de adaptação das populações naturais à diversidade geográfica dos ambientes.
Apesar do avanço na formulação da moderna conceituação de raça, sintetizada por Theodosius Dobjanski, em 1941, de que “raças são populações mendelianas que diferem na freqüência relativa de certos genes ou estruturas cromossomiais”, a definição ainda possui, como a maioria das definições, o inconveniente de conter em seu bojo termos não definidos. Importa, pois, explicitá-la. Ao fazê-lo, devem-se apontar as mais importantes limitações ao seu emprego.
A noção geral de população é por todos conhecida: é qualquer reunião de indivíduos, seres vivos e até objetos. Pode-se, assim, falar em população dos peixes de um lago ou em população de automóveis de uma cidade como referência e de todos os peixes, independentemente da espécie a que pertençam e que habitem um mesmo lago ou ao conjunto de automóveis de uma cidade.
O conceito de 'população mendeliana' é mais restrito e preciso. Aplica-se, especificamente, a comunidades sexuais ou grupos de indivíduos que, real ou potencialmente, possam entrecruzar-se por via sexuada e por fertilização cruzada. Em outras palavras, uma 'população mendeliana' é uma população constituída por indivíduos ligados entre si, biologicamente, por uma descendência comum ou por laços de parentesco ou cruzamento.
À noção genética de 'populações mendelianas' estão ligados princípios biológicos de fundamental importância e que representam fatores que limitam a utilização do conceito genético de raça. Assim, a definição de raça é válida somente para organismos que se reproduzam por via sexuada, isto é, onde exista completa diferenciação sexual e onde a origem do novo organismo seja biparental, pela fusão de duas células sexuais ou gametas: o masculino e o feminino.
Em conseqüência, (a) o conceito genético de raça não é aplicável aos organismos que se reproduzam por via assexuada, vegetativa ou uni-parental, onde os gametas não se formam e nos quais se constituem 'clones' ou 'linhas puras', cujos membros são geneticamente idênticos. Somente nestes grupos, geneticamente uniformes, é que se poderia falar em 'raças puras', mas, por definição, o conceito genético de raça a eles não se aplicam; (b) a definição é válida somente para organismos que se reproduzam por fertilização cruzada. Implicitamente ela não se aplica, igualmente aos indivíduos que se reproduzem por autofertilização, como os hermafroditas ou os que apresentam uma reprodução partenogenética obrigatória; (c) do conceito de 'população mendeliana' decorre uma noção da mais alta significação biológica – a de 'gene pool' ou 'banco de genes', ou ainda, 'fundo de genes' ou 'conjunto de genes'. Como os indivíduos pertencentes a uma 'população mendeliana' representam uma comunidade sexual integrada biologicamente, de modo real e potencial, por laços de parentesco ou entrecruzamento, deduz-se que cada 'população mendeliana' possuirá um 'fundo de genes' específico a ela; (d) finalmente, em função da reprodução sexuada por fertilização, da recombinação mendeliana dos genes da natureza do 'gene pool', conclui-se, logicamente, que não se podem definir esta populações, como faziam os antigos antropologistas, em termos de 'médias', já que não há médias para os genótipos ou para os genes, que são essencialmente descontínuos. É possível, no entanto, caracterizá-las de modo preciso e objetivo, em termos de freqüências de genes ou freqüências dos determinados tipos das alterações que ocorrem nos cromossomos. As 'populações mendelianas' que diferem na freqüência de genes denominam-se, então, raças.
Tendo em vista, então, esta definição para explicar a subdivisão racial da espécie humana, esbarramos numa questão crucial, a dos grupos sanguíneos, que abala, mais ainda, os alicerces das teorias que ainda sustentam o racismo, isto é, a idéia de que as diversas etnias humanas sejam consideradas raças distintas.
Um dos mais importantes genes humanos é o que determina os grupos sanguíneos. Há, essencialmente,três alelos ou formas principais deste gene: IA, IB e i, que condicionam, nas diferentes combinações genéticas possíveis, respectivamente, os grupos sanguíneos A, B, AB e O. A análise das distribuição dos grupos sanguíneos nas diferentes populações humanas revelou dois fatos altamente significativos: (1) com algumas poucas exceções, todos os grupamentos humanos examinados em todas as regiões do globo revelaram-se como constituídos pela presença dos quatro grupos sanguíneos, e, consequentemente, dos genes por eles determinados; (2) os grupamentos humanos geograficamente distintos exibiram freqüências diferentes na incidência dos mesmos. Assim, por exemplo, as populações da Ásia Central e da Índia apresentam freqüências muito altas do gene IB, determinador do grupo sanguíneo B; o gene IA, que determina o grupo sanguíneo A, é extremamente comum nas populações da Europa Ocidental, em algumas parte da África, na Austrália e em algumas tribos de índios americanos. O gene i, determinante do grupo sanguíneo O, apresenta uma distribuição geográfica mais uniforme, sendo extremamente freqüente, no entanto, em algumas tribos de índios americanos e brasileiros. O importante a ressaltar é que entre esses pontos geográficos de maior incidência de determinados genes há um gradiente na diversificação das freqüências, escalonando-se grupamentos populacionais com freqüências mais ou menos intermediárias.
Daí concluí-se que o conhecimento do grupo sanguíneo de um determinado indivíduo é absolutamente insuficiente para classificá-lo numa 'raça' ou, até mesmo, para determinar a localização geográfica da população a que ele pertence.
Por tudo isso, é muitíssimo mal definida a base do racismo, isto é, o conceito de 'raça pura' aplicada aos homens, sendo praticamente impossível descobrir-lhe um objeto bem identificado. Não se trata de uma teoria científica, mas de um conjunto de opiniões, além de tudo pouco coerentes, cuja principal função é a de alcançar a valorização, generalizada e definida, de diferenças biológicas entre os homens, reais ou imaginárias.
O racismo subentende ou afirma claramente que existem 'raças puras', que estas são superiores às demais e que tal superioridade autoriza uma hegemonia política e histórica, pontos de vistas contra os quais se levantam objeções consideráveis. Em primeiro lugar, a quase totalidade dos grupos humanos atuais são produto de mestiçagens. A constante evolução da espécie humana e o caráter sempre provisório de tais grupos tornam ilusória qualquer definição fundada em dados étnicos estáveis. Quando se aplica ao homem o conceito de pureza biológica, confunde-se quase sempre grupo biológico com grupo lingüístico ou nacional, como se verificou em relação à noção do homem ariano, de que se serviram Gobineau e seus discípulos nazistas.
Ainda que se admita a existência de uma pureza biológica, por que ligá-la à idéia de superioridade? Fosse mesmo possível, por hipótese, registrar superioridades biológicas, em ligação com traços étnicos, não ficaria demonstrado que elas condicionem, necessariamente, superioridades psicológicas ou culturais, sobre as quais o racismo se apega. Se reais essas superioridades, provisória ou definitivamente, ligadas ou não a uma eventual pureza, por que legitimariam um hegemonia política?
Não se está em presença de uma conseqüência cientificamente estabelecida, mas de uma decisão política, de uma vontade de estabelecer semelhante hegemonia, falaciosamente apoiada em argumentos biológicos e culturais.
O racismo não é uma teoria científica, mas uma pseudo-teoria, um conjunto de opiniões, sem articulações lógicas com dados biológicos mais ou menos precisos.
As supostas relações raciais estabelecidas e defendidas por aqueles que acreditam pertencer a uma raça distinta e que só permitem o contato entre os indivíduos ou grupos considerados membros desta raça, pressupõem, fundamentalmente, que indivíduos sejam vistos e tratados como pertencentes a um grupo biológico, ou supostamente biológico. Sem este requisitos, as relações raciais não seriam diferentes de quaisquer outras relações encontradas nas sociedades humanas. Envolvem, também, habitualmente, falsas noções de superioridade e inferioridade racial.
A história da humanidade refere-se, desde os tempos mais antigos, a relação entre povos racialmente distintos, que se originaram com as migrações. Entretanto, antes da época de expansionismo das nações européias as relações raciais não apresentavam a feição que modernamente as caracteriza.
Entre egípcios, gregos e romanos, as relações eram as de vencedor e cativo, e vigoravam indiferentemente, mesmo com povos a eles semelhantes. Durante toda a Idade Média, a base do antagonismo entre povos era, sobretudo, de natureza religiosa. Graças à grande força política da Igreja católica, justificava-se a conquista e a submissão de povos para incorporá-los à cristandade. Ainda quando dos primeiros contatos entre portugueses e africanos, não havia qualquer atrito de ordem racial.
O descobrimento do Novo Mundo ofereceu enormes possibilidades de exploração econômica, dependente, todavia, de braços que a empreendessem. A escravidão a que foram submetidas as populações nativas da América e, em seguida, vários povos africanos, num primeiro momento, foi intensamente criticada pelos missionários, porém, para não perderem seus privilégios, acabaram se submetendo à sanha colonialista dos conquistadores europeus, apresentando argumentos para justificar a dominação e subjugação dos “selvagens” índios nativos e negros africanos pelos “civilizados” homens brancos europeus.
Eram mais do que patentes as intenções dos traficantes e senhores de escravos. No início, sem a bênção religiosa, necessária para justificar a escravidão, aparece assim, a racial, atribuindo-se às populações de cor, sob a alegação de que não eram humanas no mesmo sentido, uma suposta inferioridade em relação às brancas. Na realidade, racionalizava-se, conferindo-lhe portanto foros de legitimidade, a escravidão indispensável àquele estágio de desenvolvimento econômico (capitalista) das potências colonialistas européias.
As relações raciais assumiram quase invariavelmente, a partir desta época, uma condição de domínio-subordinação entre povos em contato, na qual o domínio é exercido pelos povos de cultura mais adiantada, os brancos, capazes de subjugar os demais, povos de cor. Compreende-se que, em virtude desta condição, o conflito se tenha apresentado quase como uma constante nas relações raciais.
Resulta ainda, desta condição, terem as populações de cor sido, desde logo, relegadas aos níveis mais baixos das sociedades em que foram introduzidas, e terem ficado impossibilitadas de manifestar plenamente suas capacidades. Fácil, portanto, manterem-se as idéias de superioridade e inferioridade racial, uma vez que por motivos econômicos se lhes impediam, a princípio, e se lhes dificultavam, depois, as oportunidades de adquirirem as mesmas qualificações tradicionalmente reservadas aos brancos. Não raro, a possibilidade de ascensão através de união matrimonial com os dominadores lhes foi, e em alguns casos, ainda é, proibida. Desta maneira, até hoje, os indivíduos de cor pertencem às camadas mais baixas das sociedades mistas de que fazem parte.
Atualmente as relações raciais variam desde a tolerância, como nos casos do Brasil e Havaí, até à discriminação e à segregação, como vistas nos Estados Unidos e, recentemente, na África do Sul ou ainda a coexistência destas duas formas, como acontece na Inglaterra.
IV – MISCIGENAÇÃO, CAUSA OU EFEITO?
No Brasil, as relações raciais caracterizam-se pela aparente harmonia sem que jamais tenha existido um código racial.
Como Portugal, por inúmeros fatores históricos, nunca viesse alcançar o desenvolvimento industrial similar ao de outros países colonialistas, ficando mais tempo sob a tutela política e econômica da Igreja, somado ao fato dos portugueses já estarem afeitos, pelo longo período de contato com os mouros, às uniões com um grupo diferente, a miscigenação, inicialmente com índios e posteriormente com negros, foi, de forma natural, institucionalizada, com a tolerância da Igreja que, em certa medida, até, facilitava essas ligações.
No sistema patriarcal, senhores e escravos viviam em grande intimidade. Os mestiços, sobretudo os mulatos filhos de senhores, eram considerados membros da família. As uniões mistas, legais ou não, ainda se observaram, mesmo depois que o número de mulheres brancas era suficiente. Hoje, caso se tentasse estabelecer discriminação racial, à base de características aparentes, haveria a separação de membros de inúmeras e mesmas famílias.
A noção das relações harmoniosas dentro de um sistema escravista benevolente não deixa de exibir suas semelhanças com o retrato rosado do sul escravista dos Estados Unidos antes da Guerra Civil que consta dos familiares clássicos da literatura e do cinema hollywoodiano. Mas o sabor latino do machismo marca profundamente essa ideologia, como ilustra a doce versão da miscigenação apresentada pelo Etnólogo francês Pierre Verger quando descreve como os filhos brancos dos fazendeiros (...) andavam pelo eito junto com os negrinhos que serviam-lhes recebendo o castigo no seu lugar mas também como colegas de brincadeira e de escola. Eles adotaram reações e padrões de comportamento africanos. Mais tarde, eles teriam sua iniciação sexual com as meninas de cor que trabalhavam na casa grande ou no eito, assim infundindo elementos de atração sensual e de compreensão mútua nas suas relações com aquilo que escolhemos chamar pessoas de diferentes raças.(...)
O abuso sexual contra as mulheres subjugadas é uma questão de dominação, seja nas guerras, seja na manutenção dos regimes coloniais ou autoritários. A miscigenação enquanto fruto desse abuso pouco transmite sobre a compreensão ou atração entre seres humanos, mas fala eloqüentemente sobre o controle violento das mulheres. O gênio da ideologia brasileira foi o de fazer dessa violência o cerne de um discurso auto-elogioso em que a elite branca se purga de qualquer responsabilidade ou culpa por seus excessos de opressão. Gilberto Freyre, inventor do conceito do Luso-tropicalismo, é o mestre desse discurso: descreve graficamente, em minuciosos detalhes, os horrores da tortura e das injustiças cometidas contra os africanos escravizados, e depois conclui deixando pérolas como a seguinte a brilhar contra o pano de fundo da desigualdade no Brasil: (...) O cruzamento tão largamente praticado aqui corrigia a distância social que de outra forma teria permanecido imensa entre a casa grande e a senzala. O que a monocultura latifundiária e escravista produziu em termos de aristocratização, dividindo a sociedade brasileira em classes de senhores e escravos, (...) foi em grande parte neutralizado pelo efeito social da miscigenação. As mulheres índias e africanas, de início, depois as mulatas, as mais claras, as oitavas e assim por diante, tornando-se domésticas, concubinas e até mesmo esposas legítimas dos senhores brancos, desempenharam papel poderoso na democratização racial no Brasil. (...)
Tais idéias são intrincadamente combinadas com uma hierarquia de cor que já foi definida por intelectuais afro-americanos da região como pigmentocracia, em que a pele mais clara é identificada com maior prestígio e posição econômica. Constitui motivo de avanço na hierarquia social não apenas "melhorar a raça", como também rejeitar a identidade africana e assumir os valores culturais e os critérios de beleza pessoal europeus.
Central a essa questão são as minúcias do discurso sobre a mulata, cuja imagem como padrão de beleza no retrato rosado da sociedade não racista tem sido redondamente denunciada como uma cortina de fumaça e uma racionalização da exploração sexual. O ideal estético de beleza pessoal que prevalece no Brasil é o da loura de olhos azuis, que em contraste com a mulata não é estereotipada como fácil ou quente. Não é à toa que se diz "branca para casar, negra para trabalhar, mulata para fornicar".
A compulsão social da brancura constitui herança comum aos regimes coloniais, e os problemas psicológicos que a acompanham têm sido revelados desde há muito tempo por estudiosos como Frantz Fanon, psiquiatra e ensaísta francês, e pelo tunisiano Albert Memmi, um dos mais importantes escritores do pós-colonialismo. O que nos diferencia é que, em vez de ser visto como uma das muitas faces do supremacismo branco ou como legado do colonialismo, essa compulsão da brancura é apresentada como prova positiva do anti-racismo latino. O seguinte exemplo apresentado pelo escritor alagoano Manuel Diegues Jr., expressa bem o esforço da elite dirigente no sentido de apresentar o Brasil como um país branco a despeito da realidade dos fatos demográficos:
(...) é evidente a predominância do contingente branco (da população brasileira), já que no Brasil até mesmo aqueles de raça mista que têm uma quantidade grande ou pequena de sangue negro ou índio, mas sem os traços físicos de um desses grupos, são considerados brancos. O que demonstra a ausência de qualquer discriminação de natureza racial, em termos da origem étnica da pessoa.(...)
Nas ciências sociais brasileiras, vastas reservas de energia têm sido e ainda são dedicadas a esta última hipótese, de que exista uma diferença essencial entre a rejeição da aparência africana e a rejeição da origem africana. O critério da hipo-descendência é considerado racista, enquanto o "preconceito de marca", o critério de cor da pigmentocracia baseado na aparência, é visto como arbitrário e inocente, uma antipatia puramente estética ao fenótipo mais escuro. Para adornar esta ridícula idéia, os teóricos desassociam o fenótipo africano da origem africana e concluem que os latinos desenvolveram uma forma "mais benigna" de preconceito, de natureza não racial.A ideologia do embranquecimento conseguiu tornar os critérios demográficos uma bagunça geral ao pressionar os entrevistados dos censos a situar-se nas mais claras entre as três categorias oficiais de cor: branca, preta ou parda. É notória a subestimação do número de afro-brasileiros no processo oficial dos censos, observada tanto por demógrafos como por cidadãos preocupados com as políticas públicas. Os demógrafos também reconhecem a distorção das estatísticas oficiais, em que o grupo preto perde muito, o grupo pardo ganha muito mais do que perde, e o grupo branco ganha bastante sem perder nada. Em 1989-90, importantes entidades da comunidade afro-brasileira lançaram a campanha "Não deixe sua cor passar em branco" com o objetivo de incentivar os negros a identificar-se como tal diante do Censo. Se as estatísticas oficiais situam a população negra como aproximadamente 48% da população, as estimativas que levam em conta a distorção resultante do efeito da ideologia do embranquecimento são mais perto de 70% ou 80%, certamente a ampla maioria da população.
A categoria parda, uma espécie de "abrange tudo" utilizado desde 1940 para acomodar as classificações extremamente subjetivas utilizadas pelos brasileiros, é reconhecidamente desajeitada e artificial. Entretanto, quando os respondentes se classificaram de forma espontânea no PNAD de 1976, o resultado foi a citação de 136 categorias diferentes de cores, refletindo o esforço dos mais claros no sentido de não serem classificados nas mesmas categorias que aqueles mais escuros.
Sem dúvida, entretanto, a hegemonia pertence ao "moreno", um termo que dá plena vigência às divagações subjetivas da consciência brasileira de cor. Pode ser usado para descrever pessoas muito negras ou mestiços bastante claros, dependendo da conclusão que se quer chegar. Geralmente, entretanto, a conclusão desejada é evitar dizer "negro", "preto" ou "escuro", mesmo se a pessoa pode perfeitamente ser identificada como pertencendo a uma gama de variações de cor indicativa de sua origem africana.
Assim chegamos à verdadeira natureza da grande quantidade de designações de cores: o eufemismo. A carga pejorativa de palavras como "negro", "preto" e "escuro" faz com que qualquer uma dessas expressões seja tradicionalmente um insulto; assim gasta-se considerável esforço para evitá-las educadamente. Por outro lado, a noção geralmente pejorativa da africanidade é cuidadosamente extirpada da identidade nacional brasileira, com exceção de algumas instâncias muito específicas como a música, a culinária, o folclore e os esportes, onde é definida em grande parte por aqueles que não a criaram e onde é exibida como "prova" da harmonia racial e da tolerância da diversidade. Já que a identidade africana continua a ser vagamente considerada uma ameaça à unidade nacional, as expressões intimamente associadas à africanidade são evitadas, em parte como uma questão de lealdade de cidadania, e assistimos aos freqüentes protestos de que alguém não é negro nem afrodescendente nem de origem africana, mas brasileiro.
Mas há, realmente, grande variação quanto à cor, na população brasileira. Os negros e os mulatos, bem como outros mestiços, ocupam, de fato, os níveis inferiores da sociedade. Donde se desloca a associação de cor à classe, e o preconceito social, e não racial, para com as populações de cor no Brasil.
No Brasil se forjou a idéia de que as formas assumidas pelos contatos inter-raciais são fundamentalmente pacíficas. Os historiadores conhecem bem a montagem de uma ideologia da desracialização no século XIX, que silenciava sobre a raça, mas que, na prática, escravizava as pessoas (com legislação e políticas públicas), fundada em estrita fundamentação racial.
Tal prática não se tornou incompatível com as narrativas da miscigenação. Mistura e exclusão – em termos raciais sempre andaram juntas no caso brasileiro. A raça não era evocada – já exaltavam Joaquim Nabuco e outros abolicionistas – , mas as tensões que poderiam sugeri-la preocupavam sobremaneira.
Mesmo na montagem do moderno Estado nacional brasileiro, a questão aparecia ausente dos debates, mas não das tensões – em termos raciais no sentido das expectativas de cidadania – que reverberavam nas ruas, parlamentos, palácios e pasquins. Desde a celeuma sobre o fim do tráfico atlântico, passando pelas propostas imigrantistas, a questão ressurgia em termos dialógicos com os projetos de nação. Quem eram os cidadãos, suas origens sociais e étnicas? Quais os limites dessa cidadania em termos de imagens de raça e nacionalidade? O debate sobre participação política no período de pós-independência igualmente foi profundamente marcado por tensões, com expectativas de libertos e "homens de cor" livres.
Em outras sociedades pós-coloniais, como Cuba e Venezuela, não foi diferente. A idéia de uma positiva excepcionalidade da escravidão, abolição e relações raciais no Brasil é mais um discurso da ideologia racial. Sob silêncios estrondosos, os projetos de nação eram apresentados, escolhas feitas e políticas governamentais desenhadas: sempre preservando e ampliando as disparidades raciais existentes.
Ao longo de todo o século XX tal padrão cultural, em meio ao contexto de modernização do país, se prorrogou mediante a naturalização dos papéis sociais ocupados por brancos e negros (e os mestiços portadores das distintas marcas raciais). Assim, a harmonia racial à brasileira, suposto patrimônio nacional imaterial, somente pode ser entendida desde esse parâmetro. Qual? Excluir em termos raciais sem jamais falar em público sobre raça. Destarte, tudo fica na mais perfeita ordem, desde que, é óbvio, os negros saibam qual é o seu lugar.
A sociedade em que vivemos pode não ser racializada, mas a desigualdade sim. Tais práticas sociais são irredutíveis a outros contextos, tendo em vista ser uma genuína criação nacional. Mas para um país que, além do seu talento no samba e no futebol, se notabilizou pelas suas extremadas assimetrias sociais é fundamental reconhecer tal dimensão. A cor da pobreza do Brasil é negra. Esse perfil não se associa apenas ao distante passado escravista, mas está, também, correlacionada com a perpetuação de um modelo de relações raciais que tendeu a, denodadamente, preservar tal realidade.
O estudo da mobilidade social ascendente da população brasileira, em particular o aumento apontado por diferentes estudos demográficos das classes médias em relação aos demais segmentos populacionais, leva-nos a uma reflexão sobre as desvantagens raciais relacionadas à ascensão social de não-brancos.
Embora a classe média tenha crescido em termos relativos e absolutos, entre a população negra esse crescimento foi significativamente menor. Segundo dados do IPEA, a quantidade de negros pertencentes à classe média ainda é muito pequena. Apesar disso, a classe média negra das capitais brasileiras teve um crescimento relativo de 10% entre os anos de 1992 e 1999, chegando ao patamar de um terço da classe média brasileira.
Ao pesquisar em um contexto histórico anterior ao dos anos setenta, as dificuldades de ascensão social para a população negra assim foram apresentadas por Florestan Fernandes: (...)“as nossas observações evidenciaram duas tendências globais. Primeiro, uma que se associa à proletarização. As parcelas da “população de cor” que lograram classificar-se socialmente, em sua quase totalidade, cabem nessa categoria. Segundo, outra que se vincula à ascensão do negro e do mulato a ocupações ou profissões cujo nível de renda assegura um padrão de vida e prestígio social mais ou menos característicos das classes médias da sociedade inclusiva. A nossa experiência demonstrou que esta tendência afeta um número muito reduzido de pessoas. Além disso, existem casos esporádicos de “indivíduos de cor” e de “famílias negras” de fato pertencentes aos estratos superiores do sistema.” (...)
Segundo estudos mais recentes, podemos verificar que a mobilidade social ascendente para a população negra continua limitada. Dentre os fatores negativos gerados pela sociedade racista está a dificuldade de conversão da educação formal em posições ocupacionais compatíveis, segundo Pastore & Silva. Para os dois autores, referindo-se aos dados levantados em sua pesquisa, as informações que coletaram: (...) “sugerem que os não-brancos experimentam uma desvantagem na conversão de sua educação formal em posições ocupacionais, o que pode estar vinculado a processos de discriminação racial no mercado de trabalho.” (...)
Também deve ser lembrado aqui o difícil acesso à educação de boa qualidade por parte da comunidade negra, pois, segundo Pastore & Silva: (...) “em maior ou menor medida, dependendo do estrato social de origem, as pessoas do grupo não-branco contam com uma severa desvantagem no acesso a um recurso crucial na competição por posições na estrutura social, como é o caso da educação formal”. (...)
Quando analisamos a situação de afro-descendentes que já alcançaram a classificação social como classe média, surgem outras indagações relativas à sua “nova” identidade. Os afro-descendentes afluentes não são, e, nem se sentem, bem-vindos na sociedade como um todo. Realmente, não são bem aceitos. Pesquisas atinentes a esta temática, em bairros considerados “nobres”, em grandes cidades brasileiras, têm confirmado esta tendência.
Para a população negra de classe média a superação dos estereótipos vinculados à cor, (admitindo-se que os negros se encontram muito freqüentemente realizando atividades desprestigiadas socialmente), constitui-se um problema que podemos associar a uma redefinição da própria identidade negra. Como se não fossem suficientes as dificuldades de uma recente transição do país de economia agrícola para economia urbana industrial e de serviços, há, ainda, o peso da herança deixada pelo longo período de escravidão no país, que influencia o racismo a que negros ainda são submetidos.
Neste sentido é que os afro-descendentes se empenham para a aquisição de certos símbolos que garantam sua distinção em relação ao restante dos afro-descendentes pertencentes às camadas populares, como a posse de um diploma universitário, o exercício de um trabalho não manual e o cultivo de algumas práticas de consumo que envolve diferenças no tamanho das residências, no modelo e ano do automóvel adquirido, no número de empregados domésticos e no modo de vestir.
V – CONCLUSÕES
SERES HUMANOS: QUE RAÇA COMPLICADA!
A ascensão social da população negra tem como maior obstáculo a discriminação racial existente em nossa sociedade, apesar de habilmente disfarçada pela ideologia dominante. Ao incorporar uma representação do espaço social como um espaço em que é possível a ascensão social, os cidadãos negros de classe média muitas vezes relevam o fato de o racismo existente na sociedade brasileira tornar suas perspectivas de futuro frustradas, o que corresponde a reconhecermos que um conjunto de possibilidades teoricamente existentes, na prática podem se tornar inviáveis para um negro no Brasil, limitando efetivamente o campo de suas possibilidades, já que nem sempre o capital cultural acumulado pelos negros pode ser convertido em uma posição social correspondente.
As políticas afirmativas ou compensatórias, como a criação de organismos estatais de fomento à “igualdade racial” e estabelecimento de quotas para “minorias” só contribuem para exacerbar o latente ressentimento racial existente no íntimo das pessoas e rebaixar a auto-estima dos pretensos favorecidos, institucionalizando a condição de superioridade e inferioridade de determinadas parcelas da população sobre outras.
O Estado precisa, sim, estimular a meritocracia, dando as condições necessárias para que todos, indistintamente, tenham acesso à educação pública de qualidade e ao mercado de trabalho, sem alimentar no indivíduo, independentemente de sua cor, o sentimento de que sua ascensão foi resultado da concessão de uma parte da sociedade que, sentindo “pena” de sua condição de inferioridade em relação a ela, lhe deu uma chance.
Como o sistema capitalista prescinde da segmentação social, como proclama a velha máxima, “dividir para governar”, a idéia de uma humanidade dividida em raças, continua e, enquanto existir capitalismo, continuará, sempre, sendo reforçada pela ideologia burguesa e aqueles que, em nossa história contemporânea, se dispõem a fazer oposição organizada e sistemática através de movimentos genuinamente “anti-racistas” ou de lutas pela “igualdade racial”, estão apenas contribuindo para a manutenção deste “status quo” social, com a perpetuação da sociedade de classes, dividida entre exploradores e explorados, de forma extremamente desigual, com os primeiros se apropriando da quase totalidade de riquezas geradas pelos outros, independentemente da cor.
Apesar dos negros terem sido submetidos pelos brancos a muitos sofrimentos num passado recente, não se pode esquecer que na África os próprios negros capturavam e vendiam outros negros, alimentando o tráfico de escravos, como também nas colônias eram, na maioria, negros, os capitães do mato, que empreendiam caçadas aos negros que fugiam do jugo da escravidão, portanto não se justifica pela história o tão disseminado ressentimento “racial”, em nenhum dos sentidos. A imposição histórica foi movida, sempre, por interesses capitalistas. A ambição e a ganância dos exploradores, sejam brancos ou negros, são os motivadores de toda sorte de injustiças, crueldades e desumanidade que permeiam as relações entre os povos do planeta, desde quando se introduziu a idéia de propriedade privada no seio da humanidade. Jamais reinará a paz entre os homens enquanto esta idéia não for combatida e abandonada, substituída pelo ideal de propriedade coletiva de todos os meios de produção e recursos naturais disponíveis e necessários para o desenvolvimento sustentável de todos os habitantes da Terra.
Os críticos da utopia realizável, propugnada por Marx – de uma sociedade socialista, rumo ao comunismo, em escala mundial – certamente inferirão: “mas as experiências históricas de superação do capitalismo, fracassaram e os Estados que assumiram um regime anti-capitalista nem sequer melhoraram suas relações raciais internas e fronteiriças, pelo contrário, foram protagonistas de muitos conflitos étnicos!”, o fato é que houveram desvios (e muitos) de ordem prática, por uma série de fatores históricos e subjetivos, bem como lacunas teóricas para orientar os atores sociais nessa imensa empreitada que era a superação do sistema capitalista. Uma lacuna que deve ser preenchida diz respeito ao componente religioso, que fora neglicenciado por Marx. É inconcebível pensar uma sociedade igualitária, de homens, verdadeiramente, livres e fraternos sem levar em conta suas crenças milenares. Por exemplo, se a linha do tempo da história da humanidade é cortada pelo evento Cristo, a.C e d.C, porque não buscarmos referências no fato motivador desse evento, a suposta passagem de Jesus Cristo pelo planeta, para endossar a justeza de nossas proposições, no caso específico de combate a preconceitos e discriminações nas relações sociais, encontramos nos evangelhos várias passagens que ilustram tal atitude a partir de parábolas e declarações, supostamente proferidas por Jesus Cristo, vide a parábola do bom samaritano (Lucas 10:29~37) e a orientação de amarmos o nosso semelhante como a nós mesmos (Mateus 22:39).
Os lutadores sociais que, realmente, querem suplantar a idéia de racismo da face da Terra, transformem suas entidades de defesa de interesses de negros ou de qualquer dita “minoria” em organizações que busquem a universalização dos direitos fundamentais do ser humano para todos os explorados do planeta, cerrando fileiras, em todas as frentes contra este sistema que estimula a opressão do homem pelo próprio homem – o capitalismo.
FONTES E BIBLIOGRAFIA:
A Bíblia Sagrada - Antigo e Novo Testamento: Tradução em português por João Ferreira de Almeida (Versão Digital “Freeware” 5.0) – Abril/2004.
Enciclopédia Barsa da Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. RJ e SP - Edição de 1993: Volumes: 3 ( pg. 49, verbete Apartheid), 6 (pg. 306 e 307, verbete Direitos Humanos), 7 (pg. 66 a 72, verbete Escravidão), 13 (pg. 138 a 144, verbete Raça e 146 a 148, verbete Racismo).
Artigo: Somos ou não somos Racistas, da Jornalista Sílvia Capanema P. de Almeida – Revista História Viva (Edição nº 37, novembro/2006).
O Que É Racismo, de Joel Rufino dos Santos (Coleção Primeiros Passos).
Verger, Pierre, Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos; dos séculos XVIII a XIX. Trad. Tasso Gadzanis. 3. ed. São Paulo: Corrupio, 1987.
________, Pierre, O Mundo que o português criou: aspectos das relações sociais e de cultura do Brasil com Portugal e as colônias portuguesas. Rio de Janeiro: José Olympio (Documentos Brasileiros, 28), 1940.
________, Pierre, Interpretação do Brasil: aspectos da formação social brasileira como processo de amalgamento de raças e culturas. Traduzido por Olívio Montenegro. Rio de Janeiro: José Olympio (Documentos Brasileiros, 56), 1947
Fanon, Frantz, Pele Negra, Máscaras Brancas, 1952.
Memmi, Albert, Retrato do Colonizado Precedido Pelo Retrato do Colonizador, Editora Paz e Terra, 1967.
Diegues Junior, Manuel, Etnias e culturas no Brasil. Rio de Janeiro, MEC/Serviço de Documentação, 1956.
Fernandes, Florestan, A Integração do Negro na Sociedade de Classes, Vol. 1 e 2. São Paulo, Ática, 1978.
________, Florestan, Luta de raça e de classes. In: Revista Teoria e Debate. nº 2, São Paulo, março/1988
Pastore, José & Silva, Nelson do Valle. Mobilidade Social no Brasil. São Paulo, Makron Books, 2000.
Castells, Manuel. O Poder da Identidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000.
Dados e estatísticas PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) no Site do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
Dados e estatísticas no Site do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
ANEXO I:
ENTREVISTAS FEITAS COM FAMILIARES E COLEGAS DE TRABALHO SOBRE RACISMO:
- As entrevistas constam das qualificação do entrevistado respeitando a seguinte seqüência: nome, idade, sexo e naturalidade (estado);
- As perguntas feitas e apresentadas, sempre, na mesma ordem foram: (1) Você se considera racista ? e (2) Por quê?
1 – Heliete M. C. Amorim, 43 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Racista não, mas sou preconceituosa em relação a certas atitudes das pessoas de
qualquer que seja a raça, tipo homem com brinquinho
(2) Porque não tenho preconceito de cor ou raça.
2 – Edmilson da Silva, 27 anos, masculino, alagoana:
Resp.: (1) Às vezes me deparo com pensamentos racistas, mas procuro corrigir e combater, mas
não sou racista.
(2) Porque não faço distinção de pessoas por diferenças sociais, econômicas, culturais e de
cor.
3 – Igo Evilásio dos S. Peixoto, 27 anos, masculino, alagoana:
Resp.: (1) Não, racista não.
(2) Porque certos tipos de preconceito só se manifestam quando a condição financeira e o
status social do negro é baixo, então o preconceito mesmo é de nível social.
4 – Jorge Luiz Menezes da Silva, 46 anos, masculino, sergipana:
Resp.: (1) Não, eu num sô racista.
(2) Porque eu nunca tive nenhum problema com racismo, meu pai era um pôco racista i
dizia qui quando us filhu casassi, si fossi cum preto, num levassi us bacurinho para eli
dá a bença, i isto tevi uma certa influencia, namorei cum algumas mininas morenas i
na hora pensava na recomendação do pai, mais nunca deixei di namorá cum qualqué
minina independeti da cô e sai cum elas, tinha amigus pretos.
5 – Iêda Amorim, 33 anos, feminino, paulista:
Resp.: (1) Não, di jeito ninhum.
(2) Porque eu acho que nós devemos tratá, antis da cô, antes de sê homossexual, as
pessoas como seres humanos, para mim não tem diferença não.
6 – Maria Aparecida de Amorim, 63 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Hummmm, não.
(2) Porque eu acho qui us seres humanos são todos ... são... eu acho assim que o racismo
não divia ixistí porque us negros e os brancos todos são iguais, todos são filhos de um
mesmo pai, u negócio é que tem negro que tem vergonha de sua própria cô, ele divia é
di orgulhá da cô deles, eu num condenava um filho si casassi com uma negra, era meu
filho du mesmo jeito.
7 – Ijhiane Amorim, 28 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Não.
(2) Porque eu aceito todas as raças e... e... e opções sexuais das pessoas.
8 – Inglyds Stephannie Costa Amorim, 21 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Não.
(2) Porque não. Ih... Ih... Ih..., proque eu não tenho preconceito com as pessoas e não tem
lógica eu sendo uma pessoa negra ter racismo, i eu já sofri preconceito i sei então o qui
é a pessoa ser julgada só pur causa de sua cor, i eu tenho muito orgulho de minha cor.
9 – Cleide Aparecida, 38 anos, feminino, paulista:
Resp.: (1) Não.
(2) Porque eu não me considero racista, porque tem pessoas pretas qui são minhas
amigas í eu não tenho preconceito cum elas.
10 – Aline Fernandes, 25 anos, feminino, alagoana:
Resp.: (1) Não.
(2) Porque hã... hã... hã..., porque prá mim u qui vali é a personalidade da pessoa, não a
raça, u estatus social, só a personalidade conta, não o ixteriô, i mais nada a declará.
11 – Manoel Ferreira de Amorim, 63 anos, masculino, alagoana:
Resp.: (1)Não.
(2) Porque eu acredito que o racismo não dá competência para o homem, é pricisu amá a
Deus e au próximu, somente issu.
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