
DECRETO Nº 89.531, DE 05 DE ABRIL DE 1984
Publicado no DOU de 09/04/1984Republicado no DOU de 20/06/1984
Regulamenta a Lei nº 6.888, de 10 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o exercício da profissão de sociólogo e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 81, item III, da Constituição, e tendo em vista o disposto no artigo 7º da Lei nº 6.888, de 10 de dezembro de 1980,
DECRETA:
Art. 1º O exercício, no País, da profissão de sociólogo, observadas as condições de habilitação e as demais exigências legais, é assegurado:
a) aos bacharéis em Sociologia, Sociologia e Política ou Ciências Sociais, diplomados por estabelecimentos de ensino superior, oficiais ou reconhecidos;
b) aos diplomados em curso similar no exterior, após a revalidação do diploma, de acordo com a legislação em vigor;
c) aos licenciados em Sociologia, Sociologia e Política ou Ciências Sociais, com licenciatura plena, realizada até 11 de dezembro de 1980, em estabelecimentos de ensino superior, oficiais ou reconhecidos;
d) aos mestres ou doutores em Sociologia, Sociologia Política ou Ciências Sociais, diplomados até 11 de dezembro de 1980, por estabelecimentos de pós-graduação, oficiais ou reconhecidos;
e) aos que, embora não diplomados nos termos das alíneas a, b, c e d, tenham exercido, efetivamente, há mais de 5 (cinco) anos, até 11 de dezembro de 1980, uma das atividades definidas, no artigo 2º deste Decreto.
Art. 2º São atribuições do sociólogo:
I - elaborar, supervisionar, orientar, coordenar, planejar, programar, implantar, controlar, dirigir, executar, analisar ou avaliar estudos, trabalhos, pesquisas, planos, programas e projetos atinentes à realidade social;
Il - ensinar Sociologia Geral ou Especial, nos estabelecimentos de ensino, desde que cumpridas as exigências legais;
III - assessorar e prestar consultoria a empresas, órgãos da administração pública direta ou indireta, entidades e associações, relativamente à realidade social;
IV - participar da elaboração, supervisão, orientação, coordenação, planejamento, programação, implantação, direção, controle, execução, análise ou avaliação de qualquer estudo, trabalho, pesquisa, plano, programa ou projeto global, regional ou setorial, atinente à realidade social.
Art. 3º Os órgãos públicos da administração direta ou indireta ou as entidades privadas, quando encarregados da elaboração e execução de planos, estudos, programas e projetos sócio-econômicos ao nível global, regional ou setorial, manterão, em caráter permanente, ou enquanto perdurar a referida atividade, sociólogos legalmente habilitados, em seu quadro de pessoal, ou em regime de contrato para a prestação de serviços.
Art. 4º As atividades de sociólogo serão exercidas:
I - mediante contrato de trabalho, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho;
Il - em regime estatutário (Estatuto dos Funcionários Públicos); e
III - de forma autônoma.
Art. 5º Admitir-se-á, igualmente, a formação de empresas ou entidades de prestação de serviços para a realização das atividades previstas no artigo 2º deste Decreto, desde que as mesmas mantenham sociólogo como responsável técnico e não cometam atividades privativas de sociólogo a pessoas não habilitadas.
Art. 6º O exercício da profissão depende de prévio registro no órgão regional do Ministério do Trabalho.
§ 1º O registro a que se refere este artigo será efetuado a requerimento do interessado, instruído com os seguintes documentos:
a) diploma mencionado na alínea a, b ou d do artigo 1º, ou ainda
b) título de habilitação específica em Sociologia, Sociologia e Política ou Ciências Sociais, com licenciatura plena, realizada na forma do disposto no artigo 1º;
d) documento comprobatório de atividade profissional de sociólogo, durante pelo menos 5 (cinco) anos, até 11 de dezembro de 1980, observado o previsto no artigo seguinte;
e) Carteira de Trabalho e Previdência Social.
§ 2º O requerimento de que trata o parágrafo anterior deverá conter, além do nome do interessado, a filiação, o local e a data de nascimento, o estado civil, indicação da residência e local onde exerce a profissão, número da Carteira de Identidade, seu órgão expedidor e data da expedição, bem como o número da inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda.
Art. 7º A prova da situação prevista na alínea e do artigo 1º será feita por qualquer meio em direito permitido, notadamente pela Carteira de Trabalho e Previdência Social, ou pelo recibo de pagamento do imposto relativo ao exercício da atividade profissional e somente admitida no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da data da publicação deste Decreto.
Art. 8º O órgão regional do Ministério do Trabalho anotará na Carteira de Trabalho e Previdência Social do interessado a data e o registro da profissão.
Art. 9º O Ministério do Trabalho expedirá instruções que se fizerem necessárias à execução deste Decreto.
Art. 10. Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, em 05 de abril de 1984; 163º da Independência e 96º da República.
JOÃO FIGUEIREDO
Murillo Macêdo
A responsabilidade da inteligência*
FLORESTAN FERNANDES
Em poucas fases na história da humanidade tem-se preocupado tanto com a função da inteligência e portanto com a sua responsabilidade, como nesta em que vivemos (são os "testamentos", as "plataformas" das "gerações", procurando-se esclarecer os problemas e o modo pelo qual êstes são encarados pelos intelectuais: os debates, em que se discute, profunda ou superficialmente, qual ou como o intelectual deve tomar posição na vida da sociedade e dela participar etc. etc.). E os motivos justificam a preocupação. De fato estamos numa fase crítica - no sentido do "ponto crítico" em geometria: mudança de direção - e as necessidades relacionadas à renovação exigem da inteligencia que ela atue sôbre os casos e os problemas com que nos debatemos, que em parte podem ser postos em seu ativo.Já não se trata, atualmente, de retornar a questão puramente acadêmica que sempre dividiu os intelectuais em dois grandes grupos: os partidários da "torre de marfim", do isolamento do intelectual, e os que pretendem ver nele um reflexo de um certo ambiente social. Tão pouco se trata de conceber uma posição de oportunista verdadeiro para o intelectual, que se isola do meio durante um certo tempo, perdendo-se em categorias universais e problemas pseudamente humanos explicáveis na maioria das vêzes por uma intensa insinceridade do eu consigo mesmo, e depois volta - quando a oportunidade é boa e a massa dorme - como uma espécie de Júpiter, providencial, munido de todos os raios precisos para alumiar o caminho dos pobres-homens.As necessidades do momento e a dolorosa história da tragédia humana nestes últimos trinta anos - tragédia no sentido mais amplo, espiritual e material - põem o tema de um modo preciso e exatamente determinado: a função da inteligência e sua responsabilidade. Não se trata mais, pois, de focalizar o intelectual numa posição, com certas idéias e com outros tantos tics e tacs. Êle é representado como um indivíduo que tem certa capacidade de trabalho e do qual a sociedade espera, como de todos os demais membros, uma atividade útil e criadora. Êle tem - como os outros - suas funções e a responsabilidade da inteligência aparece justamente no momento em que ela as exerce e mais ainda no momento em que ela consente que essas funções não sejam exercidas. Assim, tende-se a conceber a ação do intelectual controlada (permitam-me...) por um conjunto de elementos que representam a coletividade, num sentido amplo, e encarnando um modo de ser e uma ética profissional extensivos unicamente ao grupo, num sentido restrito.Vê-se que esta solução não é uma síntese nem uma conciliação e tão pouco se restringe a uma das duas posições acadêmicas. É uma situação de fato a que tendemos chegar por um desenvolvimento natural e inevitável. Apareceu em virtude do comodismo e depois do sacrifício do intelectual, vitimado pela tolerância ou pela incompreensão de suas funções na sociedade. E tende a se precisar, dia a dia, por causa da reação subseqüente da inteligência - que vive o segundo ato do drama tolerado, admitido e criado, em parte, por ela mesma, muitas vêzes por covardia e não por simples comodismo.Essas considerações surgiram à medida que lia o artigo de José Medina Echavarria: "Responsabilidade de la Inteligencia", primeiro no livro com êsse título. Em parte elas traduzem uma ponte, ligando a inteligência, como existiu até hoje em nossas sociedades, e a trágica situação que o mundo vive agora. O comêço dessa ligação está no que Medina chama "viver de segundo grau" em que o intelectual afasta-se paulatinamente da vida imediata, deixando de participar "das atividades criadoras, dos fatos e dos acontecimentos que nos rodeiam" acumulando conhecimento sôbre tôdas as coisas, sem contudo "participar realmente delas". É o que êsse autor chama depravação da inteligência que, renunciando às próprias funções, consome-se num círculo vicioso, perigoso para ela e para a sociedade. O conventilhismo, a "torre de marfim", caracteriza essa primeira etapa.A segunda é escrita tendo por pena a ponta da espada, por tinta o sangue dos oprimidos e por fundo a tragédia dos sacrificados, entre os quais se encontram os intelectuais. O assalto ao poder já estava feito e uma nova etapa da "ordem" assombrava a inteligência desarmada e confundida: nada mais restava a fazer e os intelectuais calaram-se para não serem suprimidos. Em tôda parte descobriu-se meios eficientes para os obrigar a trocar em miúdo consigo mesmo as suas idéias ou as suas revoltas; a função da inteligência desaparecia terrivelmente, pois as grandes como as pequenas idéias só valem quando se estendem a um povo inteiro. Para evitar isso, justamente, o Estado-Polvo foi alastrando os seus tentáculos e aí aparece o momento mais crítico a supressão mesma do intelectual. Nada, pois, restava a fazer. Mas foi assim que a inteligência atravessou a ponte. Agora estamos entrando na outra fase, em que a inteligência angustiada volta-se sôbre si mesma para tomar consciência de sua missão e de sua fôrça e procura na sociedade a razão de ser de suas funções.Naquele artigo de Echavarria vemos os intelectuais da Alemanha - como os de outros países - perdidos completamente numa geral confusão de idéias e de valores, subdivididos em grupos ou grupinhos, cada qual orientando sua conduta e a sua ação conforme uma "atitude pessoal", eliminando-se assim a possibilidade de uma realização qualquer por parte da inteligência. Isso quando não faziam conventilhismo ou não eram tolhidos pela covardia. Depois, cremos que agora - aproveitamos o esquema que conhecemos de outro país - da própria opressão vieram as fôrças ativas do ressurgimento e da renovação. Já há, pois, muita coisa a fazer.O panorama oferecido pela "depravação da inteligência", que Medina tece sôbre a situação do intelectual alemão post-14, a propósito (ao comentar "Ideologia e Utopia") poderia ser assim esboçado. A necessidade da participação do intelectual na vida social - como uma de suas grandes fôrças - também encontra o seu lugar. Para evitar, aliás, aquêle isolamento esclerosante do intelectual, afastado da realidade e conseqüentemente sem consciência de sua fôrça e função. Medina Echavarria, pensa que as sociedades do futuro devem "inserir a inteligência em seu funcionamento normal e cotidiano" (veja-se o prefácio).É aqui que discordamos do ilustre sociólogo. A questão para os intelectuais não se põe dêste modo, passivamente, como se fôssem meninos mal comportados que o mestre-escola reintegra na classe. Infelizmente a questão é muito mais grave; e em última análise, foi essa atitude passiva que todos - ou quase todos - os intelectuais assumiram diante da "ordem" chamada nova em seu estado nascente, quando podia ser sufocada. E vimos, por uma experiência muito dolorosa para ser repetida, qual o seu resultado.O intelectual não deve ser "inserido" na sociedade, mas deve tomar nela o lugar que lhe compete, ativamente, como os demais membros do grupo. A inteligência, se quiser sobreviver terá que tomar parte ativa na vida social. E um dos aspectos da vida social ativa será o de conseguir ela mesma o seu próprio lugar, porque fora disto não se compreende um funcionamento normal da inteligência.
Um comentário:
O solo está pronto, já plantamos a semente do conhecimento, agora é permitir que floresça. O blog será nossa forma de reforçar a fertilizaçao desta semente, não apenas com a preocupação de formar sociólogos, mas de individuos melhores.
A poesia de Rui Barbosa, transcrita a seguir, é para repensar nossa atualidade com o passado e assim formar uma proposta para o futuro.
SINTO VERGONHA DE MIM
Sinto vergonha de mim
por ter sido educador de parte desse povo,
por ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez
no julgamento da verdade,
a negligência com a família,
célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o "eu" feliz a qualquer custo,
buscando a tal "felicidade"
em caminhos eivados de desrespeito
para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas
pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos "floreios" para justificar
atos criminosos,
a tanta relutância
em esquecer a antiga posição
de sempre "contestar",
voltar atrás
e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos
que não quero percorrer...
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões
e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,
vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor
ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti,
povo brasileiro!
"De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem- se os poderes
nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
A rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto"
Obs.:Rui Barbosa deixou de ser senador em 1892 e faleceu em 1923.
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